MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

DANCEMOS NO MUNDO

Isto é como tudo

não há-de ser nada

a minha namorada

é tudo que eu queira

mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas

separam-nos credos

e creio que medos

e creio que leis

nos colam à pele papéis

Tratados, acordossão pântanos, lodos

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigo

se fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

Por ódio passado(que seja maldito)

amor favorito

não tem importância

se for é de circunstância

Separam-nos crimes

separam-nos cores

a noite é de horrores

quem disse que é lindo

o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço

E em teu corpo apareço

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigos

e fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

Em passos tão simples

trocar endereços

num mundo de acessos

ar onde sufocas

lugar de supostas trocas

Separam-nos facas

separam-nos fatwas

pai-nossos e datas

e excomunhões

acondicionando paixões

Acenda-se a tua

luz na minha rua

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigo

se fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

(Sérgio Godinho)

DEMOCRACIA - NG6 - DR3

Democracia
Conceito:
Sistema político de governo em que o poder soberano reside no povo, que o exerce directamente ou por representantes, periodicamente escolhidos em eleições livres e justas.
Características Gerais:
Portugal é uma República cujo regime político assenta na democracia baseada na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes.
A democracia portuguesa é representativa, ou seja, não exercida directamente pelos cidadãos - democracia directa - mas pelos seus representantes, escolhidos periodicamente, através de consulta popular objectivada na realização de eleições livres.
Suporte Legal:
CRP
arts 1º, 2º, 3º, 9º, alínea b) 10º, 13º, 46º nº 4, 80º, 108º, 109º entre outros
Notas:
1. A democracia, que é igualmente uma ideologia política, assenta em dois valores humanos fundamentais: liberdade e igualdade de todos os cidadãos.
2. Tendo o conceito de democracia, e bem assim o regime que o enforma, tido a paternidade de Sólon e Clístenes e por berço a Grécia Antiga - embora a democracia ateniense revestisse carácter restrito, uma vez que contemplava apenas quem dispunha de cidadania, o que, desde logo, excluía largos estratos da população -, o termo "democracia" (demos-povo + kratia-poder) é igualmente de origem grega e significa "o poder do povo".
3. Ao longo dos tempos e consoante as épocas, os regimes e mesmo as doutrinas e os autores, várias foram as expressões, algumas das quais contraditórias entre si, usadas para definir o conceito de democracia. A mais conhecida, talvez por mais abrangente e extensiva, mas seguramente por revelar melhor capacidade de síntese e facultar perceptibilidade instantânea, é a fórmula usada pelo antigo presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln, para quem "Democracia é o poder do povo, pelo povo e para o povo".
4. Passível de interpretações, conceitos e até práticas diversos, como a História eloquentemente demonstra, a democracia é - como sustentou o filósofo britânico Karl Popper - "uma necessidade vital para o ser humano e sem ela não se realiza o desenvolvimento da Humanidade". Democracia é sinónima de liberdade. Só em liberdade o Homem dispõe das condições mínimas para a concretização do espírito de iniciativa que lhe é inerente e para dar asas à criatividade, uma e outra molas reais do desenvolvimento das sociedades humanas. Democracia é igualmente, e antes de mais solidariedade, premissa sem a qual nem liberdade nem democracia se realizam.
5. Soberania popular, igualdade política, consulta popular e regra da maioria constituem requisitos indissociáveis para que se concretize o regime democrático. Nesta forma de regime o poder político é partilhado e disseminado pelo conjunto dos cidadãos, em contraposição à autocracia, que se caracteriza pela sua concentração num só indivíduo ou grupo restrito de indivíduos. A soberania popular, realizada na democracia do tipo que vigora em Portugal, consubstancia-se no desempenho dos três poderes, separados e interdependentes, que a sustentam: legislativo (parlamento), executivo (governo) e judicial (tribunais). O poder legislativo é do tipo representativo, ou seja, as opções políticas do eleitorado concretizam-se pela acção de representantes eleitos regularmente, em escrutínio universal e secreto. Trata-se, pois e aqui, da chamada democracia representativa. Existe, no entanto, igualmente a democracia directa, através da qual os cidadãos exercem o poder, não já por intermédio de "procuradores", mas por si próprios, isto é, directamente. É o caso, em Portugal, dos plenários de cidadãos eleitores. Nesta circunstância - apenas prevista ao nível dos órgãos autárquicos de freguesia e em freguesias com 200 ou menos eleitores - todos os cidadãos com capacidade eleitoral constituem o plenário que delibera sobre os assuntos da freguesia.
Não há, pois, lugar à eleição da respectiva assembleia. A junta é, todavia, eleita pelo plenário.
6. Com o advento da sociedade mediática, que vai enraizando o uso dos meios de comunicação radiofónicos e, principalmente, televisivos generalizados e diversificados, o que permite aos políticos dar resposta expedita e eficaz à necessidade de fazer chegar a sua imagem e propostas a cada vez mais alargadas faixas populacionais, tem vindo a generalizar-se o conceito daquilo que, em linguagem mais ligeira, sem exageradas preocupações de rigor, poderá chamar-se de "teledemocracia". Trata-se da projecção à distância, no próprio momento em que ocorrem e para grandes massas - não já para um número restrito de assistentes no local do evento - dos desempenhos e propostas. É o caso dos "directos"das reportagens sobre acontecimentos políticos (tenha-se presente a atenção que os seus agentes dedicam à marcação dos discursos que consideram mais importantes, de modo a fazê-los coincidir com o horário dos jornais televisivos) e dos debates radiofónicos e televisivos, com especial incidência nestes últimos, frequentemente decisivos para o sucesso ou insucesso eleitorais. Um bom desempenho no decurso de debate televisivo é de crucial importância para o almejado desfecho de uma campanha eleitoral, tal como performance menos feliz pode deitar a perder trabalho de muitos meses, por vezes de anos. Vão começando a surgir políticos que, alertados para as novas possibilidades e realidades, dão à questão tal importância que se "especializam" neste tipo de comunicação política. O perigo, sempre latente, aliás, consiste em a forma poder facilmente sobrepor-se ao conteúdo. Não se esgota, contudo, nos debates entre os diversos agentes esta vertente da intervenção política. A "interactividade", tem igualmente um papel muito importante, consubstanciando uma relação mais directa entre o emitente da proposta e o receptor, o público, aqui igualmente transmutado em emissor, ao dar resposta imediata ao que lhe é proposto e sobre que é inquirido. Estamos, neste caso, entrados no campo das sondagens, inquéritos de opinião ou meras consultas, gerais ou parcelares, sobre as mais diversificadas questões, feitos através da rádio ou da televisão. O público pode, deste modo, por telefone e até por meios que a entidade consultante lhe disponibiliza no estúdio ou em casa, emitir a sua opinião "em cima do acontecimento", instantaneamente. Esta última vertente contém, todavia, perigos evidentes. Presta-se a todos os tipos de manipulação, já pela forma como é elaborada a questão apresentada, que pode ser capciosa, já por outra qualquer circunstância, e, mesmo em condições óptimas, estará sempre limitada a representar a opção de um determinado estrato do eleitorado, como seja, no caso de consulta telefónica, os eleitores que dispõem desse meio e que, à hora a que a questão é colocada, sintonizam a estação emissora. Significa isto que, podendo erigir-se facilmente como agente manipulador, dificilmente poderá ser considerado, nas perspectivas actuais, instrumento político a que deva ser conferida credibilidade razoável. Recentemente, um outro meio veio alargar a panóplia da oferta disponível. Destinado a um público ainda mais restrito, mas cuja tendência para crescer é inegável e inevitável, a comunicação política através de mensagens e informações transmitidas por meios informáticos (as homepages na Internet e a difusão por e-mail constituem bons exemplos) é um campo que começa a ser explorado, através de redes globais, planetárias, de cujas virtualidades ainda não são previsíveis os limites. "A democracia é o pior dos regimes políticos... exceptuando todos os outros", disse um dia Winston Churchill. Se não há regimes ou sistemas perfeitos, há certamente uns menos maus do que outros, e há pelo menos um que, pela sua própria natureza procura a justiça, tendo como base o respeito pela vontade do povo, e que por isso se designa democracia.

PLURALISMO E REPRESENTAÇÃO PLURAL - NG6 - DR3

“A educação cívica numa democracia assenta em valores primários que se prendem com um código de honra, dignidade e verdade, que deveria ser tão naturalmente inscrito na vida quotidiana que não precisava de ser verbalizado. (...) Isto é uma questão antes de tudo cultural e não é por acaso que a escola tem estado sempre no centro do debate democrático. Não penso que a escola possa fazer tudo, mas há uma parte importante em que a própria aprendizagem deveria conduzir a uma absorção dos valores democráticos (...). É reconduzindo o ensino à sua componente humanista, em que na literatura, na filosofia, nas ciências se aprende a importância da crítica, da liberdade de pensar, da controvérsia, da diferença de pontos de vista, da precariedade das certezas, da complexidade da história”.
(Pacheco Pereira, 2002)

Sobre a relação entre democracia e cidadania democrática existem, não um, mas vários discursos, assentes em pressupostos ideológicos muito diversos, e mesmo, nalguns casos, antagónicos. Esses discursos reflectem diferentes visões do mundo e da sociedade, diferentes projectos político-sociais, e também diferentes concepções teóricas sobre a democracia, enquanto sistema de governo e modelo de organização social e política. Com efeito, a cidadania democrática parece ser “um valor” para muitas correntes do pensamento político, sendo possível, por exemplo, identificar autores e perspectivas em campos ideológicos tão diversos como o conservadorismo, o liberalismo, a social- democracia e o marxismo. Desta diversidade, e mesmo conflitualidade teórico-ideológica, se dá conta, no plano analítico, em disciplinas, como, por exemplo, a filosofia política, a ciência política ou a sociologia política.
Por outro lado, na história das sociedades é possível assinalar vários tipos de democracia (por exemplo, democracia representativa multipartidária, democracia representativa unipartidária, democracia participativa ou democracia directa). Considerando este facto histórico, desenvolverei, neste texto, um conjunto de argumentos sobre a relação entre e escola e os regimes políticos democráticos, a partir da minha identificação ideológica e política com a democracia liberal representativa, considerando que esse sistema de governo se fundamenta em valores e ideais que, em minha opinião, podem constituir uma das mais relevantes referências para o trabalho a desenvolver nas escolas em prol do desenvolvimento e consolidação de uma cultura e cidadania democráticas.

1. Democracia política e cidadania democrática

Do ponto de vista das características básicas do sistema ou regime político, as chamadas democracias liberais representativas, são, sobretudo, caracterizadas pela existência e funcionamento de um Estado de Direito, assente na separação dos poderes político, legislativo e judicial, pela liberdade de opinião e pelo consequente pluralismo político. John Rawls (1997, p.33), um dos mais importantes teóricos da democracia liberal (a par de Isaiah Berlin e de Karl Popper), deixa muito claro que o pluralismo político e ideológico constitui um elemento chave da democracia:
“A cultura política de uma sociedade democrática é sempre marcada por uma diversidade de doutrinas políticas, religiosas, filosóficas e morais, opostas e irreconciliáveis”.
Na actualidade, em muitas partes do mundo, quando se fala em democracia, toma-se quase sempre a democracia liberal representativa como o arquétipo da democracia, incluindo nessa representação, não só as instituições políticas, mas também dimensões ético-culturais, normalmente associadas a uma reivindicada cultura humanista, que está na base de uma definição dita “ocidental” do conceito de “direitos humanos”. Todavia, facto aparentemente paradoxal, os dirigentes das chamadas “democracias populares”, governando sociedades com estruturas políticas e legais, e valores ético-culturais, muito diferentes daquelas que caracterizam as democracias “ocidentais” também se reclamavam da democracia. Uma análise, mesmo que superficial, evidenciaria muitas e importantes diferenças entre os dois tipos de sociedades. Com efeito, para um cidadão que viva num regime político pluralista, no qual o poder político é conquistado através de eleições livres, com voto secreto, pode parecer estranho que regimes de partido único se apresentem como democracias. Para este cidadão, não faz sentido falar de democracia em regimes de partido único, nos quais se verifica a ausência de aspectos estruturantes da democracia política.

Carlos Alberto Gomes

MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

A Mediação Intercultural impõe-se como necessidade de fazer fluir a comunicação e logo, o entendimento ( Comunicar, quer dizer isso mesmo-"pôr em comum"), em sociedades multiculturais que pretendam atingir a interculturalidade, condição necessária para a inserção social de todas as comunidades étnico-culturais específicas na comunidade global.Por vezes e numa situação inicial ,as barreiras constituídas pelo preconceito e pelo estereótipo que vulgarmente enquadram os fenómenos de aproximação de comunidades de proveniências diversas tornam difícil um entendimento imediato, sendo de toda a conveniência o recurso à mediação.Esta solução de aproximação consiste na utilização de agentes de comunicação e ligação que permitem, pelo profundo conhecimento da realidade dessas comunidades o estabelecimento dos contactos básicos essenciais às primeiras aproximações como quem "quebra o gelo" sem o derreter.O mediador intercultural funciona assim como um elemento chave para o estabelecimento de um "protocolo" que possibilita a comunicação através do domínio dos códigos cujo desconhecimento é factor de estranheza, afastamento e conflitualidade.

Cosmocromos

PLURALISMO E REPRESENTAÇÃO PLURAL - NG6 - DR3

Pluralismo

A justiça distributiva é um conceito amplo. Põe o universo dos bens totalmente ao alcance da reflexão filosófica. Nada é omitido e nenhum aspecto da nossa vida escapa a um exame minucioso. A sociedade humana é uma comunidade distributiva. Não é apenas isso, mas é-o de modo importante: nós reunimo-nos para partilhar, dividir e trocar. Reunimo-nos também para fazer as coisas que são par-tilhadas, divididas e trocadas, mas mesmo essa execução — o próprio trabalho — é distribuída entre nós no que se chama a divisão do trabalho. O meu lugar na economia, a minha posição na ordem política, a minha reputação entre os meus colegas, o meu património pessoal, tudo isto me vem de outros homens e mulheres. Pode-se dizer que é certo ou errado, justo ou injusto, ter eu aquilo que tenho; porém, tendo em atenção a diversidade das distribuições e o número de participantes, esses juízos nunca são fáceis.
O conceito de justiça distributiva tem tanto a ver com ser e fazer como com ter, tanto com a produção como com o consumo, tanto com a identidade e a posição como com a terra, o capital ou os bens pessoais. Diferentes combinações políticas exigem, e diferentes ideologias justificam, diferentes distribuições da qualidade de membro, bem como de poder, honra, respeito, eminência ritual, graça divina, parentesco e amor, riqueza, segurança física, trabalho e lazer, recompensas e punições e ainda de uma porção de bens concebidos de maneira mais pormenorizada e concreta: alimentação, alojamento, vestuário, transportes, assistência médica, bens de qualquer espécie e todas aquelas coisas pouco vulgares (quadros, livros raros, selos) que os seres humanos coleccionam.
E a esta multiplicidade de bens corresponde uma multiplicidade de processos distributivos, agentes e critérios. Há, por exemplo, sistemas distributivos simples: galés de escravos, mosteiros, manicómios e jardins-de-infância (embora, se analisarmos atentamente cada uma destas espécies, lhes encontremos complexidades inesperadas); porém, nenhuma sociedade humana desenvolvida conseguiu, até hoje, evitar a multiplicidade. Teremos que estudá-los a todos, tanto os bens como as distribuições, e em épocas e lugares muito diferentes.
Não há, contudo, um ponto único de acesso a este universo de combinações e ideologias distributivas. Nunca existiu um meio universal de trocas. A partir do declínio da economia de troca directa, o dinheiro passou a ser o meio mais comum. Porém, a velha máxima segundo a qual há coisas que o dinheiro não compra, é verdadeira, tanto do ponto de vista normativo como real. Aquilo que deveria ou não deveria estar à venda é algo que os homens e as mulheres têm sempre de decidir e têm decidido de muitas e diferentes maneiras. O mercado tem sido, através da história, um dos mais importantes mecanismos de distribuição dos bens sociais; contudo, nunca foi, e está muito longe de o ser ainda hoje, um sistema distributivo completo.
Do mesmo modo, também nunca houve um centro único de decisão a partir do qual todas as distribuições fossem controladas nem um grupo único de agentes a tomar decisões. Nenhum poder público foi alguma vez tão penetrante que tivesse conseguido regular todos aqueles modelos de comparticipação, divisão e troca que dão forma a uma sociedade. As coisas escapam ao domínio do estado; concebem-se novos modelos, como redes familiares, mercados negros, alianças burocráticas e organizações políticas e religiosas clandestinas. As autoridades públicas podem obrigar ao pagamento de impostos, recrutar, atribuir, regular, nomear, recompensar ou punir, mas não podem controlar todos os bens nem fazer-se substituir pelos outros agentes de distribuição. Nem mais ninguém pode fazê-lo; no mercado há estratagemas e açambarcamentos, mas jamais existiu uma conspiração distributiva que tenha obtido um êxito total.
E, finalmente, nunca existiu um critério único nem um conjunto único de critérios interligados para todas as distribuições. Merecimento, aptidão, nascimento e linhagem, amizade, necessidade, livre troca, lealdade política, decisão democrática, todos ocuparam os seus lugares, juntamente com muitos outros, numa coexistência incómoda, invocados por grupos concorrentes, confundidos uns com os outros.
Em matéria de justiça distributiva a história mostra-nos uma grande diversidade de combinações e ideologias. Contudo, o primeiro impulso do filósofo é o de resistir às mostras da história, ao universo das aparências e ir em busca de uma unidade subjacente: uma curta lista de bens essenciais rapidamente resumida num único bem; um critério distributivo único ou um conjunto interligado; e o próprio filósofo colocado, pelo menos simbolicamente, num único ponto de decisão. Na minha opinião, ir em busca da unidade é não compreender o objecto da justiça distributiva. Contudo, num certo sentido, o impulso filosófico é inevitável. Mesmo que optemos pelo pluralismo, como é o meu caso, essa opção requer uma defesa coerente. Tem de haver princípios que justifiquem a opção e lhe tracem limites, pois o pluralismo não nos exige que perfilhemos todo e qualquer critério distributivo ou que aceitemos todo e qualquer candidato a agente. Podemos admitir que haja um princípio único e uma única espécie legítima de pluralismo. Continuaríamos, porém, perante um pluralismo compreensivo de uma grande diversidade de distribuições. Contrastando com isto, a mais funda convicção da maioria dos filósofos que escreveram sobre a justiça, de Platão em diante, é a de que há um e apenas um sistema distributivo que a filosofia pode correctamente compreender. Este sistema é hoje vulgarmente descrito como aquele que seria escolhido por homens e mulheres racionais se fossem obrigados a escolher imparcialmente, ignorando a sua própria situação, impedidos de fazer reivindicações individuais e numa situação em que são confrontados com um conjunto abstracto de bens. Se estas restrições ao conhecimento e à capacidade reivindicativa forem convenientemente concebidas e se os bens forem definidos por forma apropriada, chegar-se-á provavelmente a uma conclusão singular. Homens e mulheres racionais, constrangidos desta ou daquela maneira, optarão por um e apenas um sistema distributivo. Não é, porém, fácil de avaliar a força dessa conclusão singular. É com toda a certeza duvidoso que esses mesmos homens e mulheres, uma vez transformados em pessoas comuns, com uma forte consciência da própria identidade, com os seus próprios bens nas suas mãos e enredados nos problemas do quotidiano, reiterassem aquela sua hipotética opção ou sequer a reconhecessem como sua. A questão mais importante não é a do individua-lismo do interesse, o que os filósofos sempre afirmaram poder com segurança — ou seja, incontestavelmente — pôr de lado. As pessoas comuns também o podem fazer, digamos que em nome do interesse público. O maior problema reside no particularismo da história, da cultura e da qualidade de membro. Mesmo que estejam empenhados na imparcialidade, a questão que mais provavelmente se colocará nos espíritos dos membros de uma comunidade política não será "Qual será a escolha de indivíduos racionais em condições de universalização de tal ou tal espécie?", mas antes "Qual será a escolha de indivíduos como nós, posicionados como estamos, participando de uma cultura e dispostos a continuar a dela participar?" E esta questão pode ser facilmente transformada em "Que opções fizemos já no decurso da nossa vida comum? Que conceitos partilhamos (realmente)?"
A justiça é uma construção humana e é duvidoso que só haja uma maneira de a atingir. De qualquer modo, começo por pôr em dúvida, e mais do que isso, esta ideia-modelo filosófica. As questões postas pela teoria da justiça distributiva admitem várias respostas, havendo aí espaço para a diversidade cultural e a opção política. Não se trata apenas de executar um certo princípio único ou um conjunto de princípios em diversos contextos históricos. Ninguém nega que haja várias formas de execução moralmente permitidas. Vou mais longe do que isso e afirmo que os princípios de justiça são, eles próprios, pluralistas na sua forma; que os vários bens sociais devem ser distribuídos com base em motivos diferentes, segundo processos diferentes e por diversos agentes; e que todas estas diferenças derivam de diferentes concepções dos próprios bens sociais — consequência inevitável do particularismo histórico e cultural.

Michael WalzerRetirado de As Esferas da Justiça, Trad. de Nuno Valadas, Editorial Presença, 1999, pp. 21-23.

TOLERÂNCIA E DIVERSIDADE - NG6 - DR1

Promover a Tolerância e Celebrar a Diversidade

A diversidade cultural e a proximidade entre pessoas de várias proveniências e culturas são características do nosso tempo. Os locais que habitamos são actualmente, de forma cada vez mais visível, locais de encontro, onde vivem e se cruzam pessoas com uma grande diversidade de histórias de vida e de identidades, que falam diferentes línguas, têm hábitos e gostos distintos… Esta miscelânea de modos de vida, de valores e crenças, coloca-nos desafios e levanta-nos questões que nem sempre têm uma fácil resolução. Alguns comportamentos e formas de estar que poderão, à partida, parecer naturais e espontâneos são, algumas vezes, interpretados de maneiras muito diversas, causando estranheza, desconfiança e insegurança nos distintos grupos.
‘Lidar com a diferença’ é um desafio de escala global e que significa, em primeiro lugar, olhar as pessoas naquilo que elas são, tendo em consideração todo um conjunto de pertenças étnicas, culturais, geográficas, sociais, religiosas, que definem a nossa identidade e que fazem de cada um de nós um ser especial e único. Ou seja, a multiculturalidade diz respeito a todos nós, aos de longe e aos de perto, e implica que sejamos capazes de reconhecer a singularidade de cada pessoa e de valorizar as diferentes perspectivas, experiências e contributos.
O contacto estabelecido entre pessoas e povos sempre fizeram parte da história e devem ser vistos como uma oportunidade de alargar horizontes, de praticar a mente, de nos abrirmos a novas ideias, experiências e saberes… São várias as implicações deste processo de trocas, na nossa vida pessoal como no local de trabalho ou na escola. E passam, fundamentalmente, por tentar situar-nos num mundo um pouco diferente daquele que imaginámos e desenvolver uma atitude positiva face a novas realidades e desafios.
Abrir-se à diversidade requer de cada um de nós disponibilidade para conhecer-se, pensar-se e relacionar-se sem ‘pré-conceitos’, descobrindo o ‘outro’ e respeitando-o na sua individualidade.
Lembrar que todos temos a ganhar se conseguirmos ver as pessoas por detrás dos ‘rótulos’, criando empatia e melhorando a capacidade de comunicar e interagir.
(adaptado de ‘44 ideias simples para promover a tolerância e celebrar a diversidade’, publicado por ACIME - Alto Comissariado para Imigração e Minorias Étnicas)

PROCESSOS DE NEGOCIAÇÃO - NG6 - DR2

O uso da criatividade no processo de negociação

Por Maria Inês Felippe

Qualquer cenário de negociação é um local de tensão e pressão, por mais que possamos estar acostumados a negociar e ocorrem dos dois lados. Somos competitivos, pois desde criança fomos formados para ser o primeiro, termos a melhor nota, e há aqueles que foram criados com o lema: para ganhar é preciso fazer o “outro” perder, para viver é preciso matar, viver é trabalhar um leão por dia.
Fomos criados na ambigüidade, tais como: cooperação - competição, verdade- mentira, curto - longo prazo, preto – branco, para ganhar é preciso que alguém perca.
Negociar faz parte da nossa vida, desde os povos primitivos. Viver é negociar.
Negociar é um processo de alcançar objetivo (s) através de acordo em situações que ocorrem pensamentos divergentes e convergentes. O que importa é levar ao segundo pensamento.
Exercício de pensamento divergente e convergente como também aplicação de Técnicas Criativas de Problemas poderá facilitar no ato da negociação criativa, já que negociar é resolver problemas, administrar conflitos, etc.
A criatividade no processo de negociação favorece a flexibilidade, melhor aproveitamento da diversidade e a conciliação de situações opostas, encarando e conduzindo a negociação a favor de ambas as partes.
Pensar no processo ganha- ganha diria que é uma inverdade, sempre envolve dinheiro, interesses, status,. O que podemos pensar é no processo de conciliação entre situações, que muitas vezes colidem, e buscarmos um denominador comum, onde o processo de perda e ganho seja mais equilibrado e que, a criatividade poderá favorecer o surgimento de uma terceira opção, ou resposta, e que esteja de acordo entre ambas as partes.
Hoje, para obter sucesso é necessário além do conhecimento técnico, a habilidade para solucionar problemas, relacionamento, lidar com a diversidade o que implica na utilização da capacidade criativa, sendo pró - ativo e quebrando paradigmas.
A pessoa pró - ativa e criativa possui uma postura sempre firme em relação aos diversos problemas que enfrenta, não só no mundo corporativo, como também na sua vida particular, ela não quer fazer parte do problema, mas sim da solução, não quer ser mais uma no meio de 2000 e sim busca seu diferencial, move-se ao longo do tempo, ou seja, pensa sobre o que acontecerá com o seu trabalho daqui a um certo tempo.
A destruição mental de tudo que já existe é condição primordial para iniciar o processo criativo. Grande parte do nosso pensamento é reativo: respondemos à uma necessidade, resolvemos problemas, superamos dificuldades, destinamos pouco tempo para a pró-atividade.
Podemos observar que os argumentos dos negociadores são basicamente os mesmo, tais como: temos qualidade, preço, distribuição, tradição, etc. O uso da criatividade poderá favorecer numa mesa de negociação pelo o argumento do negociador fugindo do convencional , garantindo de maneira firme e convincente a validade do que está sendo tratado.
Vivemos num contexto muito agitado e por vezes robotizado . A pausa criativa poderá ser a mola propulsora para o hábito pró-ativo, a ociosidade poderá facilitar a geração de idéias, embora recentemente durante um programa de treinamento um participante alegou ser mais criativo em momentos sob pressão, relatando situações vivenciadas numa mesa de negociação, trazendo idéias criativas e produtivas.
Negociadores criativos são flexíveis sempre estão abertos e criam a novas alternativas, muitas vezes melhor do que as propostas iniciais na negociação, mesmo porque já colocou-se no lugar do oponente, aumentando o nível de argumentação.
A criatividade favorece enxergar o que todos enxergam, mas visualizando coisas diferentes , transformando riscos em oportunidades, identificando algo a mais do que o cotidiano, favorecendo contornar objeções ,agindo pro- ativamente.
Negociar não se aprende lendo e sim fazendo, para a criatividade não existe erros e sim ensaios. A aprendizagem através dos erros e acertos é fundamental tanto para a criação quanto para negociação.
Nos programas de treinamentos Criatividade em Negociação praticamos jogos e simulações tendo como referencial a prática do desenvolvimento do pensamento divergente e convergente, assim como exercícios de Analogia Inusual, onde favorece estabelecer conexões com situações que, no primeiro momento, parecem antagônicas, assim como, praticamos as etapas de Solução Criativa de Problemas. Estas estratégias favorecem abrir a mente dos participantes e a quebra de modelos mentais.
O ponto de partida inicia-se nas fases de negociação já conhecida por todos, vou apresenta-la de maneira sistematizada, embora na prática as fases ocorrem em conjunto.
1- fase – Informações
O ponto de partida é buscar informação do produto, mercado, local, sinais do mercado, clientes potenciais conhece as necessidades, identifica e provoca oportunidades, não somente considera o que tem para ser vendido como também o que necessitam, é preciso saber as fraquezas e os aspectos fortes do que vai negociar, do oponente as e da sua pessoa, reconhece as objeções. Colocar o chapéu do oponente passa a ser fundamental.
2. fase- Criação
Nesta etapa muitas vezes o caos está instalado e as grandes desordens mentais são construtivas, pois neste momento poderá ocorrer a criação tendo como referencial a fase 1.
Fantasma do passado não consegue resolver os problemas atuais, fazer as coisas da mesma maneira, nem sempre garante resultados diferentes.
A falta da imaginação é e em grande parte responsável pelos conflitos, onde as partes se recusam a imaginar o que o outro faria, pensariam ou podem sentir.
Praticar o pensamento divergente, convergente, estabelecer analogias aumentando a argumentação, poderá ser uma estratégia favorável, nesta etapa.
Tenha uma idéia, e depois, pense: se não tivesse essa qual outra teria, vá buscando mais de uma resposta para cada pergunta.
Pense: o que poderá ser substituído, qual a equivalência e assim por diante sempre gerando várias respostas. Isso é inovar é utilizar da criatividade tornando-o competitivo.
3 fase- decisão- conciliação
A figura do Consultor de Negócio passa a ser colocada em pratica em conjunto com o oponente.
A escolha a decisão poderá favorecer o surgimento de uma terceira opção através do escutar o oponente, embora somente escutar não garanta a resolução da negociação, somente resolve quando os interesses são opostos, campo este fértil para o negociador criativo.
4- fase - implementação
As pessoas agem como se desconhecessem as diferenças, normalmente não praticam o que dizem. Todo o processo acima foi por água abaixo.
Surge novamente a necessidade de ser criativo negociando com fornecedores, e comprador através de estratégias persuasiva.
A criatividade no processo de negociação envolve o ato de escutar, criar, conciliar, decidir e finalmente administrar, tendo como referencial a visão dos dois lados.
O desenvolvimento da percepção do negociador, favorece a visão geral e específica do cenário de negociação, assim como facilita a intuição, analogias e argumentação.
Cada vez mais a importância de pensar diferente, gerar idéias, enxergar oportunidades num mundo cheio de estimulo passa a ser fundamental para a sobrevivência das pessoas e das organizações. Ser versátil no mundo das negociações favorecem o pensamento criativo e mudar rapidamente enquanto é possível e por vezes identificando o momento de parar ou de continuar.
Estimular o músculo da criatividade é fundamental, mas só exercitar não adianta é necessário agir.
Considerando uma economia globalizada aumenta a necessidade de pensar criativamente e agir estrategicamente.
“No mundo dos negócios e na vida em cada problema ocorrem oportunidades para serem desvendadas.”

MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas
separam-nos credos
e creio que medos
e creio que leis
nos colam à pele papéis

Tratados, acordos
são pântanos, lodos

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Por ódio passado
(que seja maldito)
amor favorito
não tem importância
se for é de circunstância

Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo
o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigos
e fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas

Separam-nos facas
separam-nos fatwas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões

Acenda-se a tua
luz na minha rua

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigos
e fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

PENSAMENTO LEVINASIANO - NG6

Qual é a atualidade do pensamento de Emmanuel Lévinas?

Monica Cragnolini – Lévinas é um ator muito presente em diversos debates contemporâneos, como aqueles que dizem respeito a toda a problemática da alteridade nas figuras do estrangeiro, no refugiado, no diferente. Sua presença é inevitável também no debate em torno da comunidade. A crítica que ele realizou sobre o pensamento heideggeriano é fundamental para entender as premissas deste debate a partir de autores como Blanchot, Nancy, Derrida , Esposito e outros. No sentido de que o pensamento de Heidegger tentou, com a noção da existência humana como Dasein, ir mais além da “metafísica da subjetividade”, na medida em que o Dasein é basicamente abertura e projeto, não posso diminuí-lo, no entanto, a um tipo de violência do ser e de si mesmo frente ao outro. Ante a importância concedida à “própria morte” no pensamento de Heidegger e de Lévinas, parte a pergunta da morte do outro, aquele que morre ao meu lado. Neste sentido, a importância concedida ao ético sobre o ontológico não significa que se possa dizer que o pensamento levinasiano é uma “filosofia moral” ou uma filosofia edificante. Deveríamos dizer, pelo contrário, que é uma intenção de pensar a questão da alteridade de uma maneira mais radical. Neste sentido, o outro é o que chama, e cujo chamado deve responder “tens-me aqui”, antes de toda configuração de mim próprio.

Hospitalidade levinasiana
Como dizia, esta problemática tem sido retomada também pelo debate em torno da comunidade, e com isso me refiro àqueles autores que, mais além de uma concepção sociológica da comunidade, pensam a mesma como modo do “ser-com” (o Mit-sein heidegeriano). A comunidade, nesta linha de pensadores, não é a organização social do modo de “ser humano”, senão aquela que possibilita a dita organização. A noção de comunidade permite apresentar a pergunta pelo cum que somos, cum que não pode reduzir-se a um “comum” de pertencimento. Desde as idéias levinasianas acerca do outro privado de sua alteridade na obra de Heidegger (e nas filosofias do Mesmo), os autores participantes neste debate expõem o interrogante acerca de um Cum possível que não seja o resultado da necessidade de um sujeito ou de um individuo de completar-se, encontrar a outra parte de si, curar suas falhas etc. Para estes pensadores, a relação do homem deixa de ser a do “o Mesmo com o Mesmo”, interrompendo o outro como irredutível, incalculável, imprevisível. É por isso que outra temática levinasiana, a da hospitalidade, é um conceito constantemente aludido no seio do debate, por exemplo, nas obras de Derrida e de Massimo Cacciari.

Estes autores não pensam a comunidade nem como propriedade nem como atributo, porque a existência humana não é pensada como “sujeito” que entra na “relação” com outros sujeitos. Nietzsche havia se perguntado acerca da “comunidade” dos além-do-homem. Esta temática é retomada por Georges Bataille na noção de “a comunidade dos que não têm comunidade”, expressão cara a Blanchot, Nancy e Derrida, como modo de pensar o “ser-com”, dando lugar às noções de “comunidade não atuante”, “comunidade afrontada” (Nancy), “comunidade inconfessável” (Blanchot), “comunidade anacorética dos que amam afastar-se” (Derrida). No âmbito italiano, Agamben e Esposito apresentam a noção da comunidade a partir do “não-comum” (ausência de signos de pertencimento ou propriedade), e Cacciari o faz a partir da idéia de “arquipélago”, que indica que o único comum é o que “separa” ou diferencia. Estes modos de pensar a comunidade supõem uma forte crítica aos modelos que consideram a mesma em termos de projetos fusionais ou operativos, neles que os “sujeitos” (livres, racionais e autônomos) entram em “relação” com outros sujeitos e geram “o comum”. Para estes autores não “formamos”, mas “somos comunidade”, e neste sentido, a explicação levinasiana crítica do modelo heideggeriano do ser-com é fundamental.

Como você faz a aproximação de Nietzsche e Lévinas, tomando em consideração que você questiona sobre a possibilidade de aproveitar o pensamento nietzschiano para pensar a “alteridade” sob uma radical diferença?

Monica Cragnolini – Creio que, apesar das distâncias, Nietzsche e Lévinas podem aproximar-se em sua crítica radical ao modo de conceber ao homem nos humanismos ou nas filosofias do Mesmo. Para esta aproximação, é preciso desfazer-se da imagem nietzscheana da interpretação do final do século XIX ou começo do XX, que considerou Nietzsche como um pensador individualista. Nietzsche criticou a subjetividade moderna e os modos socioeconômicos do desenvolvimento do mesmo no mundo capitalista, e o que fez na figura do “último homem” que aparece em Assim falou Zaratustra, figura do homem do mercado, proprietário, que exige “tudo para mim”. Como tal, esta é uma figura da mesmicidade auto-satisfeita do homem moderno. Frente a essa figura, o além-do-homem (Übermensch) é a figura da doação de si que não pode ser pensada sem o outro. Neste sentido, eu tenho interpretado certas figuras da subjetividade na obra de Nietzsche em termos do “entre” (Zwischen), e assim, o caminhante (Wanderer), o além-do-homem (Übermensch), o filósofo-artista não podem ser pensados como entidades fechadas em si mesmas que “logo” entram na relação com o outro. São também modos de ser “entre”, atravessadas pela alteridade. A partir deste ponto de vista, para mim Nietzsche é um pensador da alteridade no nível do pensamento de Lévinas.

Como as idéias desses pensadores podem basear a construção da subjetividade e, ao mesmo tempo, da autonomia em nossos tempos?
Monica Cragnolini – Quando Lévinas se refere ao humanismo, se trata do humanismo “do outro homem”. Não acredito que seja possível aproximar a obra levinasiana a uma proposta humanista ou neo-humanista, que revaloriza a construção de uma subjetividade “autônoma”. Quando Lévinas expôs a assimetria do interpessoal, o conceito “pessoal” da identidade com dignidade, autonomia, se desconstrói. Também não se pode mostrar em Nietzsche a idéia de “construção de subjetividade em torno da autonomia”, já que a autonomia é uma das propriedades básicas do modo de conceber ao homem na filosofia moderna que Nietzsche critica neste aspecto.

Tanto Nietzsche como Lévinas são autores que não podem ser utilizados para pensar modos de ser do homem com “novas características”, como exigem uma desconstrução dos modos habituais de pensar o homem nos humanismos e nas filosofias do Mesmo, que esquecem ao outro. Frente à exigência da perseverança no “próprio” ser – autonomia incluída –, Lévinas resgata o chamado da Torá a prestar atenção “ao estrangeiro, à viúva e ao órfão”, quer dizer, ao outro homem (que é outro “modo de ser” radicalmente outro).

Entrevista com Monica Cragnolini, doutora em Filosofia e, desde 1983, professora adjunta da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.