PLURALISMO E REPRESENTAÇÃO PLURAL - NG6 - DR3

“A educação cívica numa democracia assenta em valores primários que se prendem com um código de honra, dignidade e verdade, que deveria ser tão naturalmente inscrito na vida quotidiana que não precisava de ser verbalizado. (...) Isto é uma questão antes de tudo cultural e não é por acaso que a escola tem estado sempre no centro do debate democrático. Não penso que a escola possa fazer tudo, mas há uma parte importante em que a própria aprendizagem deveria conduzir a uma absorção dos valores democráticos (...). É reconduzindo o ensino à sua componente humanista, em que na literatura, na filosofia, nas ciências se aprende a importância da crítica, da liberdade de pensar, da controvérsia, da diferença de pontos de vista, da precariedade das certezas, da complexidade da história”.
(Pacheco Pereira, 2002)

Sobre a relação entre democracia e cidadania democrática existem, não um, mas vários discursos, assentes em pressupostos ideológicos muito diversos, e mesmo, nalguns casos, antagónicos. Esses discursos reflectem diferentes visões do mundo e da sociedade, diferentes projectos político-sociais, e também diferentes concepções teóricas sobre a democracia, enquanto sistema de governo e modelo de organização social e política. Com efeito, a cidadania democrática parece ser “um valor” para muitas correntes do pensamento político, sendo possível, por exemplo, identificar autores e perspectivas em campos ideológicos tão diversos como o conservadorismo, o liberalismo, a social- democracia e o marxismo. Desta diversidade, e mesmo conflitualidade teórico-ideológica, se dá conta, no plano analítico, em disciplinas, como, por exemplo, a filosofia política, a ciência política ou a sociologia política.
Por outro lado, na história das sociedades é possível assinalar vários tipos de democracia (por exemplo, democracia representativa multipartidária, democracia representativa unipartidária, democracia participativa ou democracia directa). Considerando este facto histórico, desenvolverei, neste texto, um conjunto de argumentos sobre a relação entre e escola e os regimes políticos democráticos, a partir da minha identificação ideológica e política com a democracia liberal representativa, considerando que esse sistema de governo se fundamenta em valores e ideais que, em minha opinião, podem constituir uma das mais relevantes referências para o trabalho a desenvolver nas escolas em prol do desenvolvimento e consolidação de uma cultura e cidadania democráticas.

1. Democracia política e cidadania democrática

Do ponto de vista das características básicas do sistema ou regime político, as chamadas democracias liberais representativas, são, sobretudo, caracterizadas pela existência e funcionamento de um Estado de Direito, assente na separação dos poderes político, legislativo e judicial, pela liberdade de opinião e pelo consequente pluralismo político. John Rawls (1997, p.33), um dos mais importantes teóricos da democracia liberal (a par de Isaiah Berlin e de Karl Popper), deixa muito claro que o pluralismo político e ideológico constitui um elemento chave da democracia:
“A cultura política de uma sociedade democrática é sempre marcada por uma diversidade de doutrinas políticas, religiosas, filosóficas e morais, opostas e irreconciliáveis”.
Na actualidade, em muitas partes do mundo, quando se fala em democracia, toma-se quase sempre a democracia liberal representativa como o arquétipo da democracia, incluindo nessa representação, não só as instituições políticas, mas também dimensões ético-culturais, normalmente associadas a uma reivindicada cultura humanista, que está na base de uma definição dita “ocidental” do conceito de “direitos humanos”. Todavia, facto aparentemente paradoxal, os dirigentes das chamadas “democracias populares”, governando sociedades com estruturas políticas e legais, e valores ético-culturais, muito diferentes daquelas que caracterizam as democracias “ocidentais” também se reclamavam da democracia. Uma análise, mesmo que superficial, evidenciaria muitas e importantes diferenças entre os dois tipos de sociedades. Com efeito, para um cidadão que viva num regime político pluralista, no qual o poder político é conquistado através de eleições livres, com voto secreto, pode parecer estranho que regimes de partido único se apresentem como democracias. Para este cidadão, não faz sentido falar de democracia em regimes de partido único, nos quais se verifica a ausência de aspectos estruturantes da democracia política.

Carlos Alberto Gomes

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