
Os ciganos não formam uma totalidade homogénea; não são linguística, económica, cultural e socialmente iguais.
Todos acham que conhecem os ciganos. E de uma maneira geral são poucos os que não exprimem de uma forma categórica o seu conhecimento dos ciganos. Existem mesmo entre nós "especialistas" que falam sobre as questões ciganas. Mas na verdade o que se tem são ideias que se foram construindo sobre os ciganos a partir do século XV e que se foram rapidamente cristalizando sob a forma de estereótipos. Os ciganos são pouco conhecidos. Na realidade o que se manifesta mais em relação a eles é um certo romantismo ou alarmismo, e o pior é que na maior parte das vezes a realidade é largamente ultrapassada pelo imaginário. A assimilação ou a rejeição constroem argumentos para os seus discursos e justificações para os seus actos. As atitudes menos negativas para com os ciganos expressaram-se e expressam-se pela simpatia romântica ligada ao folclore ou por uma certa curiosidade intelectual mesclada de compaixão, mas logo que a oportunidade surge são de imediato reactivados os aspectos mais negativos das imagens que se criaram dos ciganos. O cigano imaginado, as imagens manipuladas, são representações que nos remetem para a necessidade de questionar a nossa relação com as comunidades ciganas.
A identidade cigana é uma "identidade de resistência", conceptualmente construída na relação com o outro, o paílho (não cigano).
As políticas oficiais foram sempre, no que se refere aos ciganos, políticas de negação das pessoas e da sua cultura. As diferentes políticas podem ser agrupadas em torno de três grandes categorias: a exclusão, a reclusão e mais recentemente a inclusão. Não se excluindo mutuamente, estas políticas, do ponto de vista histórico, evoluíram da exclusão para a inclusão. As políticas de exclusão das comunidades ciganas caracterizavam-se pela expulsão, proibições diversas e punições, punições estas que passavam pela marcação com ferros em brasa, enforcamento, etc. Mas como prosseguir com estas políticas custa dinheiro e as expulsões fazem perder braços ao Estado, a política de exclusão irá transformar-se em política de reclusão. Esta política é entendida como a integração, de forma autoritária e geralmente violenta, dos ciganos na sociedade que os rodeia. A partir do século XV e até 1856 os ciganos tornam-se escravos do Estado, do clero e da nobreza da sociedade romena. A falta de braços remete-os para as galés, e a resistência dos ciganos às políticas de reclusão torna lícito disparar sobre eles e privá-los da vida. Na Suíça, como em muitos outros países, a organização filantrópica Pro Juventute encarrega-se de fechar em instituições educativas ou dar para adopção as crianças ciganas que são retiradas aos pais (1926 e 1973). Mas também esta política se manifestou globalmente ineficaz, surgindo a partir da segunda metade do século XX a política de inclusão. Independentemente dos eufemismos utilizados, esta política caracteriza-se no fundamental pela vontade de assimilação dos ciganos. Para o Estado, a política de inclusão apresenta vantagens face à reclusão. Baseia-se no espírito da época, é politicamente correcta, é mais eficaz, mais radical, mais igualitária e o incluso é recompensado pelo seu alinhamento. A "integração social" é benéfica e compensatória: os ciganos mandam os seus filhos à escola e recebem o Rendimento Mínimo Garantido.

As imagens acerca dos ciganos que se constroem e que cristalizam tendem a apagar/ignorar todos os aspectos culturais e fazer emergir os ciganos como um "problema social", tornando-se necessário "reintegrá-los" no resto da sociedade. Manifestam "inadaptações sociais" quando se pretende inclui-los, razão pela qual as políticas de inclusão consideram a necessidade de os inserir no espaço social e esquecer o seu espaço cultural e étnico. Estas políticas tendem a construir um cigano imagético e não real: o cigano não é definido como é, mas sim como é necessário que seja, por motivos de ordem sócio-política. Como exemplo da distância entre os ciganos e os outros portugueses e de resistência cultural à inclusão temos a ausência de um "casamento civil" cigano. A união matrimonial entre dois indivíduos é o primeiro passo para a formação da família cigana, mas este laço de união não assume as mesmas características que a união matrimonial entre dois "paílhos" que vêem a sua união geralmente reconhecida pelo registo civil, e nalguns casos pela Igreja Católica. O reconhecimento do matrimónio cigano é isso sim feito pela comunidade cigana nas condições que a tradição e o direito consuetudinário referem. Como tal, o matrimónio cigano não está configurado/abrangido pelo "menu" único pro(im)posto pelo Código Civil português, razão pela qual não é reconhecido como tal, ou na melhor das hipóteses será considerado como "união de facto" (esta legislação é recente), o que implica a restrição ou perda de direitos, consagrados na lei, para todos aqueles que não estejam casados civilmente.
Este trabalho pretendeu contribui para a produção de um "discurso" que valoriza a produção de um olhar crítico acerca da etnicidade cigana. É um discurso que se pretende alternativo ao discurso teórico normativo e funcionalista. Foi, e é, meu propósito construir um discurso de ruptura que facilite a construção de uma "pedagogia de escuta" e das subjectividades em alternativa a uma pretensa objectividade dos discursos dominantes nesta área de investigação. A minha acção desenvolve-se no sentido de dar visibilidade ao invisível e tem mais a preocupação de fazer a gestão das incertezas, do que a produção de certezas. Muito fica sempre por dizer…
Fonte: Bolg de Carlos Jorge Sousa - Cultura Cigana
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