PROCESSOS DE INOVAÇÃO - NG2 - DR2


Nos alvores da história, a civilização deve-se à escravização de um homem por outro. Isto é duro, mas temos de referi-lo. Um selvagem não se coloca a trabalhar, porque a satisfação que busca não lhe compensa o esforço, tem poucas necessidades. Mas veio outro mais forte, ou mais bruto, que escravizou-o e colocou-o trabalhar para os dois. Ao tirano, como não tinha mais que fazer senão vigiar o escravo, ocorreu-lhe um conjunto de coisas que não poderiam ocorrer a quem tem de trabalhar. Hoje, o impulso da civilização é do de baixo que premeia o de cima. Os romanos conheciam os moinhos de água, mas não os utilizavam porque era mais barato ter um escravo que movesse a roda. Quando o escravo encareceu implantaram o moinho. À medida que o de baixo diz: “quero mais”, o de cima tem de defender-se, inventando algo novo. E assim foi prosperando a indústria, graças às exigências dos trabalhadores.
Miguel de Unamuno, Conferência no circuito literário de Almería, 30 de Agosto de 1903


A correcta determinação dos factores que estruturam e configuram a realidade histórica tem constituído um eterno problema, cuja solução tem oscilado segundo a orientação intelectual dos pensadores que procuram resolvê-la.
As posições tanto antitéticas como contraditórias de marxistas e hegelianos constituem uma prova clara do que acabamos de referir. Pois, se os partidários de Karl Marx, vinculados ao materialismo histórico, vislumbram nas relações económico-sociais - no capital, portanto - a origem da história; diferentemente, os partidários de Hegel, animados por uma concepção idealista, apontam para as ideias como origem do todo o progresso.
A inteligibilidade das referidas concepções fazer-se-ia imediatamente perceptível se se analisa, com algum rigor, a origem da expansão ultramarina.
O que é que levou portugueses e espanhóis a lançarem-se na época dos descobrimentos? Uma concepção materialista, na esteira de Marx, apontaria para os fracos recursos económicos do país, presentes num clima e geografia desfavoráveis. Uma concepção idealista, na linha de Hegel, desvinculada das necessidades materiais, apontaria para o alargamento da res publica christiana, isto é, para a expansão do império e da fé cristã.
Unamuno, leitor e intérprete dos grandes clássicos da história universal, apresenta de forma conjunta e integrada ambas as concepções como origem do progresso histórico. Se, num primeiro momento, desde uma perspectiva sincrónica, sugere que o idealismo histórico, expresso na sujeição do deserdado ao senhor, foi o motor da história; num segundo momento, apoiado numa perspectiva diacrónica, apresenta o materialismo histórico, presente no encarecimento da mão-de-obra, como origem da mesma.
Se se analisa a referida temática dentro do contexto profissional, a génese da evolução dos processos de produção colocar-se-nos-ia imediatamente como um problema a resolver. Qual é o princípio que determina os processos de inovação? Porque é que as empresas se actualizam, quer quanto à qualificação da sua mão-de-obra, quer quanto aos seus suportes técnicos de cariz informático e/ou mecânico? Na linha das análises precedentes poderíamos afirmar, por um lado, que o encarecimento da mão-de-obra exige que as empresas invistam cada vez mais na aquisição de recursos técnicos capazes de as tornarem competitivas dentro dos mercados nacionais e internacionais (materialismo histórico); e que, por outro, as novas concepções de trabalho - onde adquirem especial relevo as formações profissionais - permitem que as empresas tenham trabalhadores cada vez mais qualificados e por isso capazes de rentabilizar as suas linhas de produção (idealismo histórico).
Neste sentido, podemos afirmar que são tão importantes políticas públicas que proporcionem especializações laborais, capazes de atrair empresas internacionais para o país, como a defesa dos direitos laborais que, obrigando à vanguarda e a uma inovação constante, impedem que as empresas deixem de ser competitivas.
Evidentemente que, em Portugal, dentro do actual quadro económico, a defesa dos direitos dos trabalhadores não pode ter os efeitos desejados, dado que as empresas com os seus recursos técnicos actuais - muitos deles adquiridos em segunda mão e outros com mais de 20 e 30 anos de existência - acabariam por entrar em falência. Como remediar, então, este estado de coisas? Desde o nosso ponto de vista, vários são os factores que devem ser tidos em consideração no relançamento da economia portuguesa. Num primeiro momento, desde uma perspectiva institucional, o Estado deveria co-financiar as empresas, quer na melhoria dos seus equipamentos, quer na requalificação profissional, legislando correlativamente na defesa dos direitos dos trabalhadores. E num segundo momento, todos os cidadãos deveriam ter a preocupação de evitar comprar produtos oriundos de países que não respeitam os direitos humanos. Com esta tomada de posição, acabaríamos por dizer sim à humanização do trabalho e ao respeito pela individualidade e personalidade de todos os trabalhadores e, de forma correlativa, impediríamos que as empresas multinacionais se deslocassem para os referidos países em busca de mão-de-obra barata, deixando sem emprego tantos concidadãos portugueses e europeus. Enquanto não forem respeitados por todos os países os direitos humanos e laborais, o mercado livre, expressão máxima do capitalismo moderno, terá sempre resultados funestos para os trabalhadores quer dos países industrializados quer dos países subdesenvolvidos.

Emanuel Santos

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