DIA MUNDIAL DO PROFESSOR - 5 de Outubro

O material escolar mais barato que existe na praça é o professor!
É jovem, não tem experiência.
É velho, está superado.
Não tem automóvel, é um pobre coitado.
Tem automóvel, chora de "barriga cheia".
Fala em voz alta, vive gritando.
Fala em tom normal, ninguém escuta.
Não falta ao colégio, é um "Adesivo".
Precisa faltar, é um "turista".
Conversa com os outros professores, está "malhando" nos alunos.
Não conversa, é um desligado.
Dá muita matéria, não tem dó do aluno.
Dá pouca matéria, não prepara os alunos.
Brinca com a turma, é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um chato.
Chama a atenção, é um grosso.
Não chama a atenção, não se sabe impor.
A prova é longa, não dá tempo.
A prova é curta, tira as hipóteses do aluno.
Escreve muito, não explica.
Explica muito, o caderno não tem nada..
Fala correctamente, ninguém entende.
Fala a "língua" do aluno, não tem vocabulário.

Exige, é rude.
Elogia, é debochado.
O aluno é retido, é perseguição.
O aluno é aprovado, deitou "água-benta".
É! O professor está sempre errado, mas, se conseguiu ler até aqui, agradeça a ele.

Poema de Jô Soares

INÍCIO DE UM NOVO ANO LECTIVO! 2009-2010 BOM TRABALHO! ;-)

Olá a todos! :-)

Cá estamos, já no início de um novo Ano Lectivo!!!

Desejo a todos um BOM TRABALHO, com muita energia e sabedoria! ;-)

Este ano lectivo, a vossa professora/formadora tem as turmas de Geografia do 7º, 8º e 9º Anos da escola.... e uma turma dos cursos CEF! Espera-nos muito trabalhinho!!!... ;-)

Como hoje se comemora o dia 5 de Outubro, é Feriado Nacional. Sabem porquê?

Nesta data, Portugal deixou de ser uma Monarquia e passou a ser uma República.

Nos finais do séc. XIX e início do sec. XX, a população estava descontente com o regime monárquico. O país atravessava uma nova crise económica e o rei D. Carlos foi acusado de nada fazer para resolver o problema. A situação ainda se agravou mais em 1890 com o ultimato inglês, em que os portugueses se sentiram humilhados e muito revoltados com o rei, por este ter cedido aos interesses dos ingleses.

Em 1891, deu-se a primeira tentativa de implantar a República. A revolta não foi bem sucedida porque as tropas do rei derrotaram os republicanos. Mas estes não desistiram: em 1908 o rei D. Carlos e o seu filho mais velho, D. Luís, foram assassinados.

Subiu ao trono o filho mais novo, D. Manuel, que não conseguiu manter a ordem no país. Assim, em 5 de Outubro de 1910, foi proclamada a República em Portugal.


MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

DANCEMOS NO MUNDO

Isto é como tudo

não há-de ser nada

a minha namorada

é tudo que eu queira

mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas

separam-nos credos

e creio que medos

e creio que leis

nos colam à pele papéis

Tratados, acordossão pântanos, lodos

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigo

se fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

Por ódio passado(que seja maldito)

amor favorito

não tem importância

se for é de circunstância

Separam-nos crimes

separam-nos cores

a noite é de horrores

quem disse que é lindo

o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço

E em teu corpo apareço

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigos

e fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

Em passos tão simples

trocar endereços

num mundo de acessos

ar onde sufocas

lugar de supostas trocas

Separam-nos facas

separam-nos fatwas

pai-nossos e datas

e excomunhões

acondicionando paixões

Acenda-se a tua

luz na minha rua

Pisemos a pista

é bom que se insista

dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo

sem corpo visível

dançar como amigo

se fosse possível

dois pares de sapatos

levantando o pó

dançar como amigo só

(Sérgio Godinho)

DEMOCRACIA - NG6 - DR3

Democracia
Conceito:
Sistema político de governo em que o poder soberano reside no povo, que o exerce directamente ou por representantes, periodicamente escolhidos em eleições livres e justas.
Características Gerais:
Portugal é uma República cujo regime político assenta na democracia baseada na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes.
A democracia portuguesa é representativa, ou seja, não exercida directamente pelos cidadãos - democracia directa - mas pelos seus representantes, escolhidos periodicamente, através de consulta popular objectivada na realização de eleições livres.
Suporte Legal:
CRP
arts 1º, 2º, 3º, 9º, alínea b) 10º, 13º, 46º nº 4, 80º, 108º, 109º entre outros
Notas:
1. A democracia, que é igualmente uma ideologia política, assenta em dois valores humanos fundamentais: liberdade e igualdade de todos os cidadãos.
2. Tendo o conceito de democracia, e bem assim o regime que o enforma, tido a paternidade de Sólon e Clístenes e por berço a Grécia Antiga - embora a democracia ateniense revestisse carácter restrito, uma vez que contemplava apenas quem dispunha de cidadania, o que, desde logo, excluía largos estratos da população -, o termo "democracia" (demos-povo + kratia-poder) é igualmente de origem grega e significa "o poder do povo".
3. Ao longo dos tempos e consoante as épocas, os regimes e mesmo as doutrinas e os autores, várias foram as expressões, algumas das quais contraditórias entre si, usadas para definir o conceito de democracia. A mais conhecida, talvez por mais abrangente e extensiva, mas seguramente por revelar melhor capacidade de síntese e facultar perceptibilidade instantânea, é a fórmula usada pelo antigo presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln, para quem "Democracia é o poder do povo, pelo povo e para o povo".
4. Passível de interpretações, conceitos e até práticas diversos, como a História eloquentemente demonstra, a democracia é - como sustentou o filósofo britânico Karl Popper - "uma necessidade vital para o ser humano e sem ela não se realiza o desenvolvimento da Humanidade". Democracia é sinónima de liberdade. Só em liberdade o Homem dispõe das condições mínimas para a concretização do espírito de iniciativa que lhe é inerente e para dar asas à criatividade, uma e outra molas reais do desenvolvimento das sociedades humanas. Democracia é igualmente, e antes de mais solidariedade, premissa sem a qual nem liberdade nem democracia se realizam.
5. Soberania popular, igualdade política, consulta popular e regra da maioria constituem requisitos indissociáveis para que se concretize o regime democrático. Nesta forma de regime o poder político é partilhado e disseminado pelo conjunto dos cidadãos, em contraposição à autocracia, que se caracteriza pela sua concentração num só indivíduo ou grupo restrito de indivíduos. A soberania popular, realizada na democracia do tipo que vigora em Portugal, consubstancia-se no desempenho dos três poderes, separados e interdependentes, que a sustentam: legislativo (parlamento), executivo (governo) e judicial (tribunais). O poder legislativo é do tipo representativo, ou seja, as opções políticas do eleitorado concretizam-se pela acção de representantes eleitos regularmente, em escrutínio universal e secreto. Trata-se, pois e aqui, da chamada democracia representativa. Existe, no entanto, igualmente a democracia directa, através da qual os cidadãos exercem o poder, não já por intermédio de "procuradores", mas por si próprios, isto é, directamente. É o caso, em Portugal, dos plenários de cidadãos eleitores. Nesta circunstância - apenas prevista ao nível dos órgãos autárquicos de freguesia e em freguesias com 200 ou menos eleitores - todos os cidadãos com capacidade eleitoral constituem o plenário que delibera sobre os assuntos da freguesia.
Não há, pois, lugar à eleição da respectiva assembleia. A junta é, todavia, eleita pelo plenário.
6. Com o advento da sociedade mediática, que vai enraizando o uso dos meios de comunicação radiofónicos e, principalmente, televisivos generalizados e diversificados, o que permite aos políticos dar resposta expedita e eficaz à necessidade de fazer chegar a sua imagem e propostas a cada vez mais alargadas faixas populacionais, tem vindo a generalizar-se o conceito daquilo que, em linguagem mais ligeira, sem exageradas preocupações de rigor, poderá chamar-se de "teledemocracia". Trata-se da projecção à distância, no próprio momento em que ocorrem e para grandes massas - não já para um número restrito de assistentes no local do evento - dos desempenhos e propostas. É o caso dos "directos"das reportagens sobre acontecimentos políticos (tenha-se presente a atenção que os seus agentes dedicam à marcação dos discursos que consideram mais importantes, de modo a fazê-los coincidir com o horário dos jornais televisivos) e dos debates radiofónicos e televisivos, com especial incidência nestes últimos, frequentemente decisivos para o sucesso ou insucesso eleitorais. Um bom desempenho no decurso de debate televisivo é de crucial importância para o almejado desfecho de uma campanha eleitoral, tal como performance menos feliz pode deitar a perder trabalho de muitos meses, por vezes de anos. Vão começando a surgir políticos que, alertados para as novas possibilidades e realidades, dão à questão tal importância que se "especializam" neste tipo de comunicação política. O perigo, sempre latente, aliás, consiste em a forma poder facilmente sobrepor-se ao conteúdo. Não se esgota, contudo, nos debates entre os diversos agentes esta vertente da intervenção política. A "interactividade", tem igualmente um papel muito importante, consubstanciando uma relação mais directa entre o emitente da proposta e o receptor, o público, aqui igualmente transmutado em emissor, ao dar resposta imediata ao que lhe é proposto e sobre que é inquirido. Estamos, neste caso, entrados no campo das sondagens, inquéritos de opinião ou meras consultas, gerais ou parcelares, sobre as mais diversificadas questões, feitos através da rádio ou da televisão. O público pode, deste modo, por telefone e até por meios que a entidade consultante lhe disponibiliza no estúdio ou em casa, emitir a sua opinião "em cima do acontecimento", instantaneamente. Esta última vertente contém, todavia, perigos evidentes. Presta-se a todos os tipos de manipulação, já pela forma como é elaborada a questão apresentada, que pode ser capciosa, já por outra qualquer circunstância, e, mesmo em condições óptimas, estará sempre limitada a representar a opção de um determinado estrato do eleitorado, como seja, no caso de consulta telefónica, os eleitores que dispõem desse meio e que, à hora a que a questão é colocada, sintonizam a estação emissora. Significa isto que, podendo erigir-se facilmente como agente manipulador, dificilmente poderá ser considerado, nas perspectivas actuais, instrumento político a que deva ser conferida credibilidade razoável. Recentemente, um outro meio veio alargar a panóplia da oferta disponível. Destinado a um público ainda mais restrito, mas cuja tendência para crescer é inegável e inevitável, a comunicação política através de mensagens e informações transmitidas por meios informáticos (as homepages na Internet e a difusão por e-mail constituem bons exemplos) é um campo que começa a ser explorado, através de redes globais, planetárias, de cujas virtualidades ainda não são previsíveis os limites. "A democracia é o pior dos regimes políticos... exceptuando todos os outros", disse um dia Winston Churchill. Se não há regimes ou sistemas perfeitos, há certamente uns menos maus do que outros, e há pelo menos um que, pela sua própria natureza procura a justiça, tendo como base o respeito pela vontade do povo, e que por isso se designa democracia.

PLURALISMO E REPRESENTAÇÃO PLURAL - NG6 - DR3

“A educação cívica numa democracia assenta em valores primários que se prendem com um código de honra, dignidade e verdade, que deveria ser tão naturalmente inscrito na vida quotidiana que não precisava de ser verbalizado. (...) Isto é uma questão antes de tudo cultural e não é por acaso que a escola tem estado sempre no centro do debate democrático. Não penso que a escola possa fazer tudo, mas há uma parte importante em que a própria aprendizagem deveria conduzir a uma absorção dos valores democráticos (...). É reconduzindo o ensino à sua componente humanista, em que na literatura, na filosofia, nas ciências se aprende a importância da crítica, da liberdade de pensar, da controvérsia, da diferença de pontos de vista, da precariedade das certezas, da complexidade da história”.
(Pacheco Pereira, 2002)

Sobre a relação entre democracia e cidadania democrática existem, não um, mas vários discursos, assentes em pressupostos ideológicos muito diversos, e mesmo, nalguns casos, antagónicos. Esses discursos reflectem diferentes visões do mundo e da sociedade, diferentes projectos político-sociais, e também diferentes concepções teóricas sobre a democracia, enquanto sistema de governo e modelo de organização social e política. Com efeito, a cidadania democrática parece ser “um valor” para muitas correntes do pensamento político, sendo possível, por exemplo, identificar autores e perspectivas em campos ideológicos tão diversos como o conservadorismo, o liberalismo, a social- democracia e o marxismo. Desta diversidade, e mesmo conflitualidade teórico-ideológica, se dá conta, no plano analítico, em disciplinas, como, por exemplo, a filosofia política, a ciência política ou a sociologia política.
Por outro lado, na história das sociedades é possível assinalar vários tipos de democracia (por exemplo, democracia representativa multipartidária, democracia representativa unipartidária, democracia participativa ou democracia directa). Considerando este facto histórico, desenvolverei, neste texto, um conjunto de argumentos sobre a relação entre e escola e os regimes políticos democráticos, a partir da minha identificação ideológica e política com a democracia liberal representativa, considerando que esse sistema de governo se fundamenta em valores e ideais que, em minha opinião, podem constituir uma das mais relevantes referências para o trabalho a desenvolver nas escolas em prol do desenvolvimento e consolidação de uma cultura e cidadania democráticas.

1. Democracia política e cidadania democrática

Do ponto de vista das características básicas do sistema ou regime político, as chamadas democracias liberais representativas, são, sobretudo, caracterizadas pela existência e funcionamento de um Estado de Direito, assente na separação dos poderes político, legislativo e judicial, pela liberdade de opinião e pelo consequente pluralismo político. John Rawls (1997, p.33), um dos mais importantes teóricos da democracia liberal (a par de Isaiah Berlin e de Karl Popper), deixa muito claro que o pluralismo político e ideológico constitui um elemento chave da democracia:
“A cultura política de uma sociedade democrática é sempre marcada por uma diversidade de doutrinas políticas, religiosas, filosóficas e morais, opostas e irreconciliáveis”.
Na actualidade, em muitas partes do mundo, quando se fala em democracia, toma-se quase sempre a democracia liberal representativa como o arquétipo da democracia, incluindo nessa representação, não só as instituições políticas, mas também dimensões ético-culturais, normalmente associadas a uma reivindicada cultura humanista, que está na base de uma definição dita “ocidental” do conceito de “direitos humanos”. Todavia, facto aparentemente paradoxal, os dirigentes das chamadas “democracias populares”, governando sociedades com estruturas políticas e legais, e valores ético-culturais, muito diferentes daquelas que caracterizam as democracias “ocidentais” também se reclamavam da democracia. Uma análise, mesmo que superficial, evidenciaria muitas e importantes diferenças entre os dois tipos de sociedades. Com efeito, para um cidadão que viva num regime político pluralista, no qual o poder político é conquistado através de eleições livres, com voto secreto, pode parecer estranho que regimes de partido único se apresentem como democracias. Para este cidadão, não faz sentido falar de democracia em regimes de partido único, nos quais se verifica a ausência de aspectos estruturantes da democracia política.

Carlos Alberto Gomes

MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

A Mediação Intercultural impõe-se como necessidade de fazer fluir a comunicação e logo, o entendimento ( Comunicar, quer dizer isso mesmo-"pôr em comum"), em sociedades multiculturais que pretendam atingir a interculturalidade, condição necessária para a inserção social de todas as comunidades étnico-culturais específicas na comunidade global.Por vezes e numa situação inicial ,as barreiras constituídas pelo preconceito e pelo estereótipo que vulgarmente enquadram os fenómenos de aproximação de comunidades de proveniências diversas tornam difícil um entendimento imediato, sendo de toda a conveniência o recurso à mediação.Esta solução de aproximação consiste na utilização de agentes de comunicação e ligação que permitem, pelo profundo conhecimento da realidade dessas comunidades o estabelecimento dos contactos básicos essenciais às primeiras aproximações como quem "quebra o gelo" sem o derreter.O mediador intercultural funciona assim como um elemento chave para o estabelecimento de um "protocolo" que possibilita a comunicação através do domínio dos códigos cujo desconhecimento é factor de estranheza, afastamento e conflitualidade.

Cosmocromos

PLURALISMO E REPRESENTAÇÃO PLURAL - NG6 - DR3

Pluralismo

A justiça distributiva é um conceito amplo. Põe o universo dos bens totalmente ao alcance da reflexão filosófica. Nada é omitido e nenhum aspecto da nossa vida escapa a um exame minucioso. A sociedade humana é uma comunidade distributiva. Não é apenas isso, mas é-o de modo importante: nós reunimo-nos para partilhar, dividir e trocar. Reunimo-nos também para fazer as coisas que são par-tilhadas, divididas e trocadas, mas mesmo essa execução — o próprio trabalho — é distribuída entre nós no que se chama a divisão do trabalho. O meu lugar na economia, a minha posição na ordem política, a minha reputação entre os meus colegas, o meu património pessoal, tudo isto me vem de outros homens e mulheres. Pode-se dizer que é certo ou errado, justo ou injusto, ter eu aquilo que tenho; porém, tendo em atenção a diversidade das distribuições e o número de participantes, esses juízos nunca são fáceis.
O conceito de justiça distributiva tem tanto a ver com ser e fazer como com ter, tanto com a produção como com o consumo, tanto com a identidade e a posição como com a terra, o capital ou os bens pessoais. Diferentes combinações políticas exigem, e diferentes ideologias justificam, diferentes distribuições da qualidade de membro, bem como de poder, honra, respeito, eminência ritual, graça divina, parentesco e amor, riqueza, segurança física, trabalho e lazer, recompensas e punições e ainda de uma porção de bens concebidos de maneira mais pormenorizada e concreta: alimentação, alojamento, vestuário, transportes, assistência médica, bens de qualquer espécie e todas aquelas coisas pouco vulgares (quadros, livros raros, selos) que os seres humanos coleccionam.
E a esta multiplicidade de bens corresponde uma multiplicidade de processos distributivos, agentes e critérios. Há, por exemplo, sistemas distributivos simples: galés de escravos, mosteiros, manicómios e jardins-de-infância (embora, se analisarmos atentamente cada uma destas espécies, lhes encontremos complexidades inesperadas); porém, nenhuma sociedade humana desenvolvida conseguiu, até hoje, evitar a multiplicidade. Teremos que estudá-los a todos, tanto os bens como as distribuições, e em épocas e lugares muito diferentes.
Não há, contudo, um ponto único de acesso a este universo de combinações e ideologias distributivas. Nunca existiu um meio universal de trocas. A partir do declínio da economia de troca directa, o dinheiro passou a ser o meio mais comum. Porém, a velha máxima segundo a qual há coisas que o dinheiro não compra, é verdadeira, tanto do ponto de vista normativo como real. Aquilo que deveria ou não deveria estar à venda é algo que os homens e as mulheres têm sempre de decidir e têm decidido de muitas e diferentes maneiras. O mercado tem sido, através da história, um dos mais importantes mecanismos de distribuição dos bens sociais; contudo, nunca foi, e está muito longe de o ser ainda hoje, um sistema distributivo completo.
Do mesmo modo, também nunca houve um centro único de decisão a partir do qual todas as distribuições fossem controladas nem um grupo único de agentes a tomar decisões. Nenhum poder público foi alguma vez tão penetrante que tivesse conseguido regular todos aqueles modelos de comparticipação, divisão e troca que dão forma a uma sociedade. As coisas escapam ao domínio do estado; concebem-se novos modelos, como redes familiares, mercados negros, alianças burocráticas e organizações políticas e religiosas clandestinas. As autoridades públicas podem obrigar ao pagamento de impostos, recrutar, atribuir, regular, nomear, recompensar ou punir, mas não podem controlar todos os bens nem fazer-se substituir pelos outros agentes de distribuição. Nem mais ninguém pode fazê-lo; no mercado há estratagemas e açambarcamentos, mas jamais existiu uma conspiração distributiva que tenha obtido um êxito total.
E, finalmente, nunca existiu um critério único nem um conjunto único de critérios interligados para todas as distribuições. Merecimento, aptidão, nascimento e linhagem, amizade, necessidade, livre troca, lealdade política, decisão democrática, todos ocuparam os seus lugares, juntamente com muitos outros, numa coexistência incómoda, invocados por grupos concorrentes, confundidos uns com os outros.
Em matéria de justiça distributiva a história mostra-nos uma grande diversidade de combinações e ideologias. Contudo, o primeiro impulso do filósofo é o de resistir às mostras da história, ao universo das aparências e ir em busca de uma unidade subjacente: uma curta lista de bens essenciais rapidamente resumida num único bem; um critério distributivo único ou um conjunto interligado; e o próprio filósofo colocado, pelo menos simbolicamente, num único ponto de decisão. Na minha opinião, ir em busca da unidade é não compreender o objecto da justiça distributiva. Contudo, num certo sentido, o impulso filosófico é inevitável. Mesmo que optemos pelo pluralismo, como é o meu caso, essa opção requer uma defesa coerente. Tem de haver princípios que justifiquem a opção e lhe tracem limites, pois o pluralismo não nos exige que perfilhemos todo e qualquer critério distributivo ou que aceitemos todo e qualquer candidato a agente. Podemos admitir que haja um princípio único e uma única espécie legítima de pluralismo. Continuaríamos, porém, perante um pluralismo compreensivo de uma grande diversidade de distribuições. Contrastando com isto, a mais funda convicção da maioria dos filósofos que escreveram sobre a justiça, de Platão em diante, é a de que há um e apenas um sistema distributivo que a filosofia pode correctamente compreender. Este sistema é hoje vulgarmente descrito como aquele que seria escolhido por homens e mulheres racionais se fossem obrigados a escolher imparcialmente, ignorando a sua própria situação, impedidos de fazer reivindicações individuais e numa situação em que são confrontados com um conjunto abstracto de bens. Se estas restrições ao conhecimento e à capacidade reivindicativa forem convenientemente concebidas e se os bens forem definidos por forma apropriada, chegar-se-á provavelmente a uma conclusão singular. Homens e mulheres racionais, constrangidos desta ou daquela maneira, optarão por um e apenas um sistema distributivo. Não é, porém, fácil de avaliar a força dessa conclusão singular. É com toda a certeza duvidoso que esses mesmos homens e mulheres, uma vez transformados em pessoas comuns, com uma forte consciência da própria identidade, com os seus próprios bens nas suas mãos e enredados nos problemas do quotidiano, reiterassem aquela sua hipotética opção ou sequer a reconhecessem como sua. A questão mais importante não é a do individua-lismo do interesse, o que os filósofos sempre afirmaram poder com segurança — ou seja, incontestavelmente — pôr de lado. As pessoas comuns também o podem fazer, digamos que em nome do interesse público. O maior problema reside no particularismo da história, da cultura e da qualidade de membro. Mesmo que estejam empenhados na imparcialidade, a questão que mais provavelmente se colocará nos espíritos dos membros de uma comunidade política não será "Qual será a escolha de indivíduos racionais em condições de universalização de tal ou tal espécie?", mas antes "Qual será a escolha de indivíduos como nós, posicionados como estamos, participando de uma cultura e dispostos a continuar a dela participar?" E esta questão pode ser facilmente transformada em "Que opções fizemos já no decurso da nossa vida comum? Que conceitos partilhamos (realmente)?"
A justiça é uma construção humana e é duvidoso que só haja uma maneira de a atingir. De qualquer modo, começo por pôr em dúvida, e mais do que isso, esta ideia-modelo filosófica. As questões postas pela teoria da justiça distributiva admitem várias respostas, havendo aí espaço para a diversidade cultural e a opção política. Não se trata apenas de executar um certo princípio único ou um conjunto de princípios em diversos contextos históricos. Ninguém nega que haja várias formas de execução moralmente permitidas. Vou mais longe do que isso e afirmo que os princípios de justiça são, eles próprios, pluralistas na sua forma; que os vários bens sociais devem ser distribuídos com base em motivos diferentes, segundo processos diferentes e por diversos agentes; e que todas estas diferenças derivam de diferentes concepções dos próprios bens sociais — consequência inevitável do particularismo histórico e cultural.

Michael WalzerRetirado de As Esferas da Justiça, Trad. de Nuno Valadas, Editorial Presença, 1999, pp. 21-23.

TOLERÂNCIA E DIVERSIDADE - NG6 - DR1

Promover a Tolerância e Celebrar a Diversidade

A diversidade cultural e a proximidade entre pessoas de várias proveniências e culturas são características do nosso tempo. Os locais que habitamos são actualmente, de forma cada vez mais visível, locais de encontro, onde vivem e se cruzam pessoas com uma grande diversidade de histórias de vida e de identidades, que falam diferentes línguas, têm hábitos e gostos distintos… Esta miscelânea de modos de vida, de valores e crenças, coloca-nos desafios e levanta-nos questões que nem sempre têm uma fácil resolução. Alguns comportamentos e formas de estar que poderão, à partida, parecer naturais e espontâneos são, algumas vezes, interpretados de maneiras muito diversas, causando estranheza, desconfiança e insegurança nos distintos grupos.
‘Lidar com a diferença’ é um desafio de escala global e que significa, em primeiro lugar, olhar as pessoas naquilo que elas são, tendo em consideração todo um conjunto de pertenças étnicas, culturais, geográficas, sociais, religiosas, que definem a nossa identidade e que fazem de cada um de nós um ser especial e único. Ou seja, a multiculturalidade diz respeito a todos nós, aos de longe e aos de perto, e implica que sejamos capazes de reconhecer a singularidade de cada pessoa e de valorizar as diferentes perspectivas, experiências e contributos.
O contacto estabelecido entre pessoas e povos sempre fizeram parte da história e devem ser vistos como uma oportunidade de alargar horizontes, de praticar a mente, de nos abrirmos a novas ideias, experiências e saberes… São várias as implicações deste processo de trocas, na nossa vida pessoal como no local de trabalho ou na escola. E passam, fundamentalmente, por tentar situar-nos num mundo um pouco diferente daquele que imaginámos e desenvolver uma atitude positiva face a novas realidades e desafios.
Abrir-se à diversidade requer de cada um de nós disponibilidade para conhecer-se, pensar-se e relacionar-se sem ‘pré-conceitos’, descobrindo o ‘outro’ e respeitando-o na sua individualidade.
Lembrar que todos temos a ganhar se conseguirmos ver as pessoas por detrás dos ‘rótulos’, criando empatia e melhorando a capacidade de comunicar e interagir.
(adaptado de ‘44 ideias simples para promover a tolerância e celebrar a diversidade’, publicado por ACIME - Alto Comissariado para Imigração e Minorias Étnicas)

PROCESSOS DE NEGOCIAÇÃO - NG6 - DR2

O uso da criatividade no processo de negociação

Por Maria Inês Felippe

Qualquer cenário de negociação é um local de tensão e pressão, por mais que possamos estar acostumados a negociar e ocorrem dos dois lados. Somos competitivos, pois desde criança fomos formados para ser o primeiro, termos a melhor nota, e há aqueles que foram criados com o lema: para ganhar é preciso fazer o “outro” perder, para viver é preciso matar, viver é trabalhar um leão por dia.
Fomos criados na ambigüidade, tais como: cooperação - competição, verdade- mentira, curto - longo prazo, preto – branco, para ganhar é preciso que alguém perca.
Negociar faz parte da nossa vida, desde os povos primitivos. Viver é negociar.
Negociar é um processo de alcançar objetivo (s) através de acordo em situações que ocorrem pensamentos divergentes e convergentes. O que importa é levar ao segundo pensamento.
Exercício de pensamento divergente e convergente como também aplicação de Técnicas Criativas de Problemas poderá facilitar no ato da negociação criativa, já que negociar é resolver problemas, administrar conflitos, etc.
A criatividade no processo de negociação favorece a flexibilidade, melhor aproveitamento da diversidade e a conciliação de situações opostas, encarando e conduzindo a negociação a favor de ambas as partes.
Pensar no processo ganha- ganha diria que é uma inverdade, sempre envolve dinheiro, interesses, status,. O que podemos pensar é no processo de conciliação entre situações, que muitas vezes colidem, e buscarmos um denominador comum, onde o processo de perda e ganho seja mais equilibrado e que, a criatividade poderá favorecer o surgimento de uma terceira opção, ou resposta, e que esteja de acordo entre ambas as partes.
Hoje, para obter sucesso é necessário além do conhecimento técnico, a habilidade para solucionar problemas, relacionamento, lidar com a diversidade o que implica na utilização da capacidade criativa, sendo pró - ativo e quebrando paradigmas.
A pessoa pró - ativa e criativa possui uma postura sempre firme em relação aos diversos problemas que enfrenta, não só no mundo corporativo, como também na sua vida particular, ela não quer fazer parte do problema, mas sim da solução, não quer ser mais uma no meio de 2000 e sim busca seu diferencial, move-se ao longo do tempo, ou seja, pensa sobre o que acontecerá com o seu trabalho daqui a um certo tempo.
A destruição mental de tudo que já existe é condição primordial para iniciar o processo criativo. Grande parte do nosso pensamento é reativo: respondemos à uma necessidade, resolvemos problemas, superamos dificuldades, destinamos pouco tempo para a pró-atividade.
Podemos observar que os argumentos dos negociadores são basicamente os mesmo, tais como: temos qualidade, preço, distribuição, tradição, etc. O uso da criatividade poderá favorecer numa mesa de negociação pelo o argumento do negociador fugindo do convencional , garantindo de maneira firme e convincente a validade do que está sendo tratado.
Vivemos num contexto muito agitado e por vezes robotizado . A pausa criativa poderá ser a mola propulsora para o hábito pró-ativo, a ociosidade poderá facilitar a geração de idéias, embora recentemente durante um programa de treinamento um participante alegou ser mais criativo em momentos sob pressão, relatando situações vivenciadas numa mesa de negociação, trazendo idéias criativas e produtivas.
Negociadores criativos são flexíveis sempre estão abertos e criam a novas alternativas, muitas vezes melhor do que as propostas iniciais na negociação, mesmo porque já colocou-se no lugar do oponente, aumentando o nível de argumentação.
A criatividade favorece enxergar o que todos enxergam, mas visualizando coisas diferentes , transformando riscos em oportunidades, identificando algo a mais do que o cotidiano, favorecendo contornar objeções ,agindo pro- ativamente.
Negociar não se aprende lendo e sim fazendo, para a criatividade não existe erros e sim ensaios. A aprendizagem através dos erros e acertos é fundamental tanto para a criação quanto para negociação.
Nos programas de treinamentos Criatividade em Negociação praticamos jogos e simulações tendo como referencial a prática do desenvolvimento do pensamento divergente e convergente, assim como exercícios de Analogia Inusual, onde favorece estabelecer conexões com situações que, no primeiro momento, parecem antagônicas, assim como, praticamos as etapas de Solução Criativa de Problemas. Estas estratégias favorecem abrir a mente dos participantes e a quebra de modelos mentais.
O ponto de partida inicia-se nas fases de negociação já conhecida por todos, vou apresenta-la de maneira sistematizada, embora na prática as fases ocorrem em conjunto.
1- fase – Informações
O ponto de partida é buscar informação do produto, mercado, local, sinais do mercado, clientes potenciais conhece as necessidades, identifica e provoca oportunidades, não somente considera o que tem para ser vendido como também o que necessitam, é preciso saber as fraquezas e os aspectos fortes do que vai negociar, do oponente as e da sua pessoa, reconhece as objeções. Colocar o chapéu do oponente passa a ser fundamental.
2. fase- Criação
Nesta etapa muitas vezes o caos está instalado e as grandes desordens mentais são construtivas, pois neste momento poderá ocorrer a criação tendo como referencial a fase 1.
Fantasma do passado não consegue resolver os problemas atuais, fazer as coisas da mesma maneira, nem sempre garante resultados diferentes.
A falta da imaginação é e em grande parte responsável pelos conflitos, onde as partes se recusam a imaginar o que o outro faria, pensariam ou podem sentir.
Praticar o pensamento divergente, convergente, estabelecer analogias aumentando a argumentação, poderá ser uma estratégia favorável, nesta etapa.
Tenha uma idéia, e depois, pense: se não tivesse essa qual outra teria, vá buscando mais de uma resposta para cada pergunta.
Pense: o que poderá ser substituído, qual a equivalência e assim por diante sempre gerando várias respostas. Isso é inovar é utilizar da criatividade tornando-o competitivo.
3 fase- decisão- conciliação
A figura do Consultor de Negócio passa a ser colocada em pratica em conjunto com o oponente.
A escolha a decisão poderá favorecer o surgimento de uma terceira opção através do escutar o oponente, embora somente escutar não garanta a resolução da negociação, somente resolve quando os interesses são opostos, campo este fértil para o negociador criativo.
4- fase - implementação
As pessoas agem como se desconhecessem as diferenças, normalmente não praticam o que dizem. Todo o processo acima foi por água abaixo.
Surge novamente a necessidade de ser criativo negociando com fornecedores, e comprador através de estratégias persuasiva.
A criatividade no processo de negociação envolve o ato de escutar, criar, conciliar, decidir e finalmente administrar, tendo como referencial a visão dos dois lados.
O desenvolvimento da percepção do negociador, favorece a visão geral e específica do cenário de negociação, assim como facilita a intuição, analogias e argumentação.
Cada vez mais a importância de pensar diferente, gerar idéias, enxergar oportunidades num mundo cheio de estimulo passa a ser fundamental para a sobrevivência das pessoas e das organizações. Ser versátil no mundo das negociações favorecem o pensamento criativo e mudar rapidamente enquanto é possível e por vezes identificando o momento de parar ou de continuar.
Estimular o músculo da criatividade é fundamental, mas só exercitar não adianta é necessário agir.
Considerando uma economia globalizada aumenta a necessidade de pensar criativamente e agir estrategicamente.
“No mundo dos negócios e na vida em cada problema ocorrem oportunidades para serem desvendadas.”

MEDIAÇÃO INTERCULTURAL - NG6 - DR4

Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas
separam-nos credos
e creio que medos
e creio que leis
nos colam à pele papéis

Tratados, acordos
são pântanos, lodos

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Por ódio passado
(que seja maldito)
amor favorito
não tem importância
se for é de circunstância

Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo
o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigos
e fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas

Separam-nos facas
separam-nos fatwas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões

Acenda-se a tua
luz na minha rua

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigos
e fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

PENSAMENTO LEVINASIANO - NG6

Qual é a atualidade do pensamento de Emmanuel Lévinas?

Monica Cragnolini – Lévinas é um ator muito presente em diversos debates contemporâneos, como aqueles que dizem respeito a toda a problemática da alteridade nas figuras do estrangeiro, no refugiado, no diferente. Sua presença é inevitável também no debate em torno da comunidade. A crítica que ele realizou sobre o pensamento heideggeriano é fundamental para entender as premissas deste debate a partir de autores como Blanchot, Nancy, Derrida , Esposito e outros. No sentido de que o pensamento de Heidegger tentou, com a noção da existência humana como Dasein, ir mais além da “metafísica da subjetividade”, na medida em que o Dasein é basicamente abertura e projeto, não posso diminuí-lo, no entanto, a um tipo de violência do ser e de si mesmo frente ao outro. Ante a importância concedida à “própria morte” no pensamento de Heidegger e de Lévinas, parte a pergunta da morte do outro, aquele que morre ao meu lado. Neste sentido, a importância concedida ao ético sobre o ontológico não significa que se possa dizer que o pensamento levinasiano é uma “filosofia moral” ou uma filosofia edificante. Deveríamos dizer, pelo contrário, que é uma intenção de pensar a questão da alteridade de uma maneira mais radical. Neste sentido, o outro é o que chama, e cujo chamado deve responder “tens-me aqui”, antes de toda configuração de mim próprio.

Hospitalidade levinasiana
Como dizia, esta problemática tem sido retomada também pelo debate em torno da comunidade, e com isso me refiro àqueles autores que, mais além de uma concepção sociológica da comunidade, pensam a mesma como modo do “ser-com” (o Mit-sein heidegeriano). A comunidade, nesta linha de pensadores, não é a organização social do modo de “ser humano”, senão aquela que possibilita a dita organização. A noção de comunidade permite apresentar a pergunta pelo cum que somos, cum que não pode reduzir-se a um “comum” de pertencimento. Desde as idéias levinasianas acerca do outro privado de sua alteridade na obra de Heidegger (e nas filosofias do Mesmo), os autores participantes neste debate expõem o interrogante acerca de um Cum possível que não seja o resultado da necessidade de um sujeito ou de um individuo de completar-se, encontrar a outra parte de si, curar suas falhas etc. Para estes pensadores, a relação do homem deixa de ser a do “o Mesmo com o Mesmo”, interrompendo o outro como irredutível, incalculável, imprevisível. É por isso que outra temática levinasiana, a da hospitalidade, é um conceito constantemente aludido no seio do debate, por exemplo, nas obras de Derrida e de Massimo Cacciari.

Estes autores não pensam a comunidade nem como propriedade nem como atributo, porque a existência humana não é pensada como “sujeito” que entra na “relação” com outros sujeitos. Nietzsche havia se perguntado acerca da “comunidade” dos além-do-homem. Esta temática é retomada por Georges Bataille na noção de “a comunidade dos que não têm comunidade”, expressão cara a Blanchot, Nancy e Derrida, como modo de pensar o “ser-com”, dando lugar às noções de “comunidade não atuante”, “comunidade afrontada” (Nancy), “comunidade inconfessável” (Blanchot), “comunidade anacorética dos que amam afastar-se” (Derrida). No âmbito italiano, Agamben e Esposito apresentam a noção da comunidade a partir do “não-comum” (ausência de signos de pertencimento ou propriedade), e Cacciari o faz a partir da idéia de “arquipélago”, que indica que o único comum é o que “separa” ou diferencia. Estes modos de pensar a comunidade supõem uma forte crítica aos modelos que consideram a mesma em termos de projetos fusionais ou operativos, neles que os “sujeitos” (livres, racionais e autônomos) entram em “relação” com outros sujeitos e geram “o comum”. Para estes autores não “formamos”, mas “somos comunidade”, e neste sentido, a explicação levinasiana crítica do modelo heideggeriano do ser-com é fundamental.

Como você faz a aproximação de Nietzsche e Lévinas, tomando em consideração que você questiona sobre a possibilidade de aproveitar o pensamento nietzschiano para pensar a “alteridade” sob uma radical diferença?

Monica Cragnolini – Creio que, apesar das distâncias, Nietzsche e Lévinas podem aproximar-se em sua crítica radical ao modo de conceber ao homem nos humanismos ou nas filosofias do Mesmo. Para esta aproximação, é preciso desfazer-se da imagem nietzscheana da interpretação do final do século XIX ou começo do XX, que considerou Nietzsche como um pensador individualista. Nietzsche criticou a subjetividade moderna e os modos socioeconômicos do desenvolvimento do mesmo no mundo capitalista, e o que fez na figura do “último homem” que aparece em Assim falou Zaratustra, figura do homem do mercado, proprietário, que exige “tudo para mim”. Como tal, esta é uma figura da mesmicidade auto-satisfeita do homem moderno. Frente a essa figura, o além-do-homem (Übermensch) é a figura da doação de si que não pode ser pensada sem o outro. Neste sentido, eu tenho interpretado certas figuras da subjetividade na obra de Nietzsche em termos do “entre” (Zwischen), e assim, o caminhante (Wanderer), o além-do-homem (Übermensch), o filósofo-artista não podem ser pensados como entidades fechadas em si mesmas que “logo” entram na relação com o outro. São também modos de ser “entre”, atravessadas pela alteridade. A partir deste ponto de vista, para mim Nietzsche é um pensador da alteridade no nível do pensamento de Lévinas.

Como as idéias desses pensadores podem basear a construção da subjetividade e, ao mesmo tempo, da autonomia em nossos tempos?
Monica Cragnolini – Quando Lévinas se refere ao humanismo, se trata do humanismo “do outro homem”. Não acredito que seja possível aproximar a obra levinasiana a uma proposta humanista ou neo-humanista, que revaloriza a construção de uma subjetividade “autônoma”. Quando Lévinas expôs a assimetria do interpessoal, o conceito “pessoal” da identidade com dignidade, autonomia, se desconstrói. Também não se pode mostrar em Nietzsche a idéia de “construção de subjetividade em torno da autonomia”, já que a autonomia é uma das propriedades básicas do modo de conceber ao homem na filosofia moderna que Nietzsche critica neste aspecto.

Tanto Nietzsche como Lévinas são autores que não podem ser utilizados para pensar modos de ser do homem com “novas características”, como exigem uma desconstrução dos modos habituais de pensar o homem nos humanismos e nas filosofias do Mesmo, que esquecem ao outro. Frente à exigência da perseverança no “próprio” ser – autonomia incluída –, Lévinas resgata o chamado da Torá a prestar atenção “ao estrangeiro, à viúva e ao órfão”, quer dizer, ao outro homem (que é outro “modo de ser” radicalmente outro).

Entrevista com Monica Cragnolini, doutora em Filosofia e, desde 1983, professora adjunta da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.

CONVICÇÃO E FIRMEZA ÉTICA - NG5 - DR1

Os valores, ao estarem submetidos às coordenadas do tempo e do espaço, não são universalmente válidos, já que vão variando tanto sincrónica como diacronicamente de cultura para cultura.

Se sincronicamente é-nos imediatamente perceptível a díspar diferença axiológica que nos separa da cultura islâmica; diacronicamente é-nos igualmente perceptível esta relatividade axiológica se se analisa, com algum rigor, os modelos valorativos da cultura portuguesa do século XX com a cultura portuguesa deste início do século XXI.

Segue-se um excerto de um clássico da filosofia contemporânea, "Les enfants sauvages" de Lucien Malson, que de forma contundente mostra a relatividade axiológica presentes nas mais diversas culturas mundiais.

"O homem recebe do meio, em primeiro lugar, a definição do bom e do mau, do confortável e do desconfortável.
Deste modo os chineses preferem os ovos podres e os oceanenses o peixe em decomposição. Para dormir, os pigmeus procuram a incómoda forquilha de madeira e os japoneses deitam a cabeça em duro cepo.
O homem recebe do seu meio cultural um modo de ver e de pensar. No Japão considera-se delicado julgar os homens mais velhos do que parecem e, mesmo durante os testes e de boa-fé, os indivíduos continuam a cometer erros por excesso (. . .)
O homem retira também do meio as atitudes afectivas típicas. Entre os maoris, onde se chora à vontade, as lágrimas correm só no regresso do viajante e não à sua partida. Nos esquimós, que praticam a hospitalidade conjugal, o ciúme desapareceu, tal como na Samoa; (…) a morte não parece cruel, os velhos aceitam-na como um benefício e todos se alegram por eles. Nas ilhas Alor, a mentira lúdica considera-se normal; as falsas promessas às crianças constituem um dos divertimentos dos adultos. O mesmo espírito encontra-se na ilha Normanby, onde a mãe, por brincadeira, tira o seio ao filho que está a mamar. (…) Entre os esquimós o casamento faz-se por compra. Nos urabima da Austrália um homem pode ter esposas secundárias que são as esposas principais de outro homem. No Ceilão reina a poliandria fraternal: o irmão mais velho casa-se e os mais novos mantêm relações com a cunhada. A proibição do incesto encontra-se em todas as sociedades, mas não há duas que o definam da mesma maneira e lhe fixem de modo idêntico as determinações exclusivas. O amor e os cuidados da mãe pelos filhos desaparecem nas ilhas do estreito de Torres e nas ilhas Andaman, em que o filho ou a filha são oferecidos de boa vontade aos hóspedes da família como presentes, ou aos vizinhos, em sinal de amizade. A sensibilidade a que chamamos masculina pode ser, de resto, uma característica feminina, como nos tchambulis, por exemplo; em que na família é a mulher quem domina e assume e direcção. (…)
Os diferentes povos criaram e desenvolveram um estilo de vida que cada indivíduo aceita – não sem reagir, decerto – como um protótipo."

Lucien Malson, As crianças selvagens

POLÍTICA DE ACOLHIMENTO E INTEGRAÇÃO E IMIGRANTES EM PORTUGAL - NG4 - DR3

As grandes linhas da política de acolhimento e integração de imigrantes em Portugal
Portugal, depois de uma longa história de país de origem de emigrantes, que ainda continua a ser, tornou-se, no final do século XX, também um país de acolhimento. Hoje, diferentes comunidades, onde se destacam os imigrantes brasileiros, ucranianos e caboverdianos, constituem já 5% da população residente em Portugal (cerca de 500.000 imigrantes legais) e 8% dos activos. O crescimento destas comunidades verificou-se essencialmente a partir do início dos anos 90, quando só existiam cerca 100.000 imigrantes, o que reflecte um aumento de 400% em quinze anos. Portugal beneficiou nas últimas décadas desta presença de imigrantes que contribuíram significativamente para o processo de desenvolvimento acelerado que o no sso País viveu. A sua contribuição de 5% para o Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional, com particular destaque para os sectores da Construção Civil (15%); Hotelaria e restauração (11%) e Serviços e Empresas 10%)i; o saldo positivo da sua contribuição para as contas do Estado – 243 milhões de euros, em 2002 – ou ainda a contribuição para o equilíbrio da pirâmide demográfica, são alguns exemplos evidentes do contributo que os imigrantes nos trazem. Mas importa sublinhar também o enriquecimento decorrente da diversidade cultural e religiosa introduzida pelas comunidades imigrantes pois a “diversidade cultural é uma das fontes de desenvolvimento, entendido não só como crescimento económico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afectiva, moral e espiritual satisfatória. Este novo contexto exigiu da sociedade portuguesa o desenvolvimento de uma política de acolhimento e integração de imigrantes mais consistente, coordenada, desde 1996, pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), órgão dependente do Primeiro Ministro e do Ministro da Presidência. É-lhe atribuída como missão “promover a integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa, assegurar a participação e a colaboração das associações representativas dos imigrantes, parceiros sociais e instituições de solidariedade social na definição das políticas de integração social e de combate à exclusão, assim como acompanhar a aplicação dos instrumentos legais de prevenção e proibição das discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.”
Esta opção de desenho institucional, ao colocar a responsabilidade da política de integração no centro do Governo, reflecte a importância que lhe foi atribuída e a visão global e integradora das várias áreas temáticas que lhe está subjacente. Ao invés de colocar esta função sob a tutela da Segurança interna ou do Trabalho e assuntos sociais, assume-se como temática transversal a todas as áreas do Governo.
Sete princípios-chave
A política de acolhimento e integração de imigrantes em Portugal é orientada por sete princípios-chave que influenciam directamente os programas e as acções concretas que diferentes instituições públicas desenvolvem ao serviço dos imigrantes.
1. A Igualdade de direitos e de deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, com excepção de alguns direitos políticos, situa-se como princípio inspirador determinante. Assim, o combate a todas as formas de discriminação e o efectivo exercício de direitos e deveres dos imigrantes determina o que defendemos nas políticas de imigração: acesso igual ao Trabalho, à Saúde, à Educação, à Segurança Social, à Justiça e a todas as outras áreas sectoriais. De igual modo, o respeito pela Lei, a participação cívica ou o pagamento de impostos são obrigações que os imigrantes devem cumprir, da mesma forma que os nacionais. Para concretizar este princípio, existe uma extensa legislação nacional e comunitária e a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) com representação de diferentes Ministérios, do Parlamento, de associações de imigrantes e anti-racistas, dos sindicatos e das empresas.
2. Mas muitas vezes a igualdade não chega. Os imigrantes, particularmente os recémchegados, têm desvantagens competitivas ou vulnerabilidades específicas que exigem acções positivas que permitam a efectiva igualdade. Para tal objectivo, inspirados pelo princípio da Hospitalidade, desenvolvem-se em Portugal, a semelhança de outros países, Programas e acções que permitam acolher bem os imigrantes. Expressões concretas deste princípio passam, por exemplo, pelo Sistema Nacional de Apoio ao Imigrante, onde se desenvolvem iniciativas como os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (one stop shop) com a presença integrada das instituições públicas com as quais o imigrante se relaciona, bem como um conjunto diversificado de Gabinetes de Apoio (Reagrupamento Familiar, Emprego, Apoio Jurídico,..) que agiliza o acesso aos direitos fundamentais. Por outro lado, a Rede Nacional de Informação ao Imigrante, proporciona em diversas línguas e diferentes suportes (papel, web, media, telefone, postos informativos) informações úteis e práticas que facilitam a integração dos imigrantes. De sublinhar ainda, neste domínio, as acções de ensino de Português dinamizadas pelo Programa Portugal Acolhe.
Importa também, neste domínio, não ignorar a presença de imigrantes em situação irregular. Se é certo que a imigração deve ser legal e a lei deve ser respeitada, combatendo-se os circuitos de exploração da imigração irregular, também não pode ser esquecido que a dignidade da pessoa humana se mantém intocável e deve ser protegida contra as adversidades mais extremas. Isso exige a constituição de um núcleo de direitos essenciais devidos a qualquer pessoa, independentemente da sua situação documental. Sublinham-se a título de exemplo na nossa experiência, a importância da consolidação do acesso a cuidados essenciais de saúde, do abrigo temporário em situação de emergência ou do retorno voluntário ao seu país de origem. Mas também importa proporcionar-lhes um apoio jurídico competente e solidário que defina, com rigor e justiça, a sua situação, pois o desconhecimento da lei e dos seus direitos leva-os, a muitos deles, a uma situação de irregularidade por ignorância ou falta de recursos de defesa. E quando não resta alternativa ao afastamento forçado, também esse pode ser feito com humanidade e respeito.
3. O exercício da Igualdade conduz- nos naturalmente ao princípio da plena Cidadania. Ainda que não-nacional, defendemos que o imigrante é um cidadão de pleno direito. É construtor activo de uma comunidade de destino, ainda que não tenha uma origem comum. Mesmo as restrições ainda colocadas ao nível da participação política, devem progressivamente desaparecer, pois não chega a participação política ao nível autárquico que a Constituição Portuguesa já prevê, em regime de reciprocidade.
Forma suprema de acesso à cidadania, a aquisição da nacionalidade portuguesa tornou-se também mais fácil, na recente alteração da Lei da Nacionalidade, com particular destaque para os descendentes de imigrantes que agora beneficiam de várias possibilidades de chegarem à nacionalidade portuguesa.
4/5. Esta visão tem como outra consequência na política de imigração, a afirmação dos princípios da Co-responsabilidade e da Participação. Só se constrói uma sociedade inclusiva através do respeito pelo princípio da plena participação cultural e política de todos os cidadãos - nacionais e imigrantes - que constituem, num determinado tempo e espaço, uma sociedade. Os imigrantes devem ambicionar essa participação e, sobretudo, a sociedade de acolhimento deve estar aberta a essa participação na polis.
Desta forma, é esperado que os imigrantes, enquanto cidadãos, sejam participantes e coresponsáveis pelo Bem comum e, particularmente na política de imigração, sejam parte da solução. A força do seu movimento associativo, a presença de mediadores socioculturais das comunidades imigrantes em serviços públicos e a voz dos seus representantes no Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, órgão que aconselha o Governo nas políticas de imigração são alguns exemplos já concretizados. 6. Num outro domínio particularmente sensível nos nossos dias - a gestão da diversidade cultural - a opção portuguesa é muito clara e passa pela afirmação do princípio da Interculturalidade. Num quadro de respeito mútuo e dentro da Lei, promove-se a afirmação da riqueza da diversidade em diálogo. Mais do que uma coexistência pacífica de diferentes comunidades, o modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem aniquilamentos, nem imposições. Muito mais do que a simples aceitação do “outro” o modelo intercultural propõe o acolhimento do “outro” e transformação de ambos com esse encontro.
Optando por dar prioridade ao trabalho no domínio da Educação, o Secretariado Entreculturas tem vindo desde 1991 a desenvolver um importante programa de educação intercultural, com recurso a acções de formação e produção de materiais pedagógicos. 7. Finalmente, a construção da política de imigração em Portugal está marcada pelo princípio do Consenso. A permanente busca em torno das questões da imigração, através do diálogo e da negociação, de um consenso político e social alargado não é uma mera questão táctica. Representa uma opção essencial para afastar a política de imigração de terrenos fracturantes onde florescem argumentos populistas antiimigração, como se tem verificado em muitos países europeus. Como exemplo, foi possível alterar a Lei da Nacionalidade, tornando-a mais aberta e humanista, com um larguíssimo consenso parlamentar, sem qualquer voto contra.
Mas em sociedades democráticas, a construção desse consenso implica, entre outras iniciativas, uma sensibilização da opinião pública para o acolhimento, desmistificando estereótipos e falsas ideias feitas. Neste domínio, tem sido dada uma grande atenção ao tratamento mediático das questões de imigração, incentivando um outro olhar.
Iniciativas como o Prémio Jornalismo pela Tolerância ou a produção do programa televisivo Nós são expressão concreta desse trabalho.
Estes sete princípios são mobilizadores, quer para o Estado, quer para a sociedade civil.
Defendemos que o Estado deve assumir-se como principal aliado da integração dos imigrantes. Este objectivo só pode ter sucesso se respeitado o princípio da permanente cooperação entre diferentes instituições do Estado, procurando respostas articuladas, transversais e multisectoriais. Particular atenção deve ser dada à dimensão local do acolhimento, promovendo uma integração de proximidade. Em simultâneo, é fundamental reforçar a aliança com instituições da sociedade civil, potenciando a sua intervenção generosa, flexível e, normalmente, mais eficiente. Portugal está ainda a aprender a ser país de acolhimento de imigrantes. A sua política de integração precisa ser desenvolvida e consolidada. Temos muito a fazer e a melhorar.
Mas este é um desígnio prioritário e sabemos o que queremos.
No século XXI, a política de imigração será um dos indicadores que definirá cada Sociedade: “diz-me que política de imigração tens e dir-te-ei quem és”. E cada uma das nossas sociedades precisa de estar atenta, para que um dia não se envergonhe de quem é.

Fonte:
PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
Rui Marques, Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas

PERÂMIDE DE MASLOW - NG4 - DR2

Sentido de Pertença e Lealdade

Legenda: Na hierarquia motivacional representada pela "Pirâmide de Maslow" nas "Necessidades Sociais" está incluída a necessidade de "Pertença".

CÓDIGOS DE ÉTICA E DEONTOLOGIA INTERNACIONAIS - NG4 - DR1

EXEMPLOS:

American Psychological Association – APA (Estados Unidos da América)
(aprovado em Agosto 2002, em vigor a partir de Junho 2003)


American Group Psychotherapy Association
(Fevereiro 2002)


British Columbia Association of Clinical Counselors: Code of Ethical Conduct
(Compilado em Maio 2001; Revisto em Julho 2002)


California Association of Marriage and Family Therapists: Ethical Standards
(Maio 2002)


New Zealand Psychological Society (Nova Zelândia)
(Dezembro 2002)


American Association for Marriage and Family Therapy
(Julho 2001)


British Psychological Society – BPS (Grã-Bretanha)
(Janeiro 2000)


Canadian Academy of Psychologists in Disability Assessment: Practice Standards for the Psychological Assessment of Disability & Impairment
(Março 2000)


National Association of School Psychologists: Professional Conduct Manual
(Julho 2000)


Federación de Psicólogos de la República de Argentina - FePRA (Argentina)
(Setembro 1998)


Latvian Association of Professional Psychologists (Letónia)
(Setembro 1998)


Psychological Society of Ireland (Irlanda)
(Janeiro 1998)


American Association of Spinal Cord Injury Psychologists & Social Workers: Standards for Psychologists & Social Workers in SCI Rehabilitation
(Setembro 1997)


Association for the Treatment of Sexual Abusers
(Publicado em 1993; Revisto em 1997)


Australian Guidance and Counselling Association – AGCA (Austrália)
(Julho 1997)


American Counseling Association: Code of Ethics and Standards of Practice
(Janeiro 1996)


Association Nationale des Organizations de Psychologues - ANOP (França)
(Março 1996, rectificado em Junho 1996)


Conselho Federal de Psicologia (Brasil)
(Janeiro 1996)


Federação Europeia de Associações de Psicólogos - EFPA
(Julho 1995)


American Association of Sex Educators, Counselors and Therapists: Code of Ethics
(Abril 1993)


Colegio Oficial de Psicólogos – COP (Espanha)
(Março 1993)


International Association for Analytical Psychology
(Julho 1992)


American Academy of Forensic Psychology: Specialty Guidelines
(Março 1991)


American Society of Clinical Hypnosis: Code of Ethics
(Março 1991)


Consiglio Nazionale Ordine Psicologi (Itália)
(Fevereiro 1989)


Consejo Profesional Nacional de Psicología (Colombia)
(Dezembro 1983)


American Psychoanalytic Association - Principles and Standards of Ethics for Psychoanalysts


Canadian Traumatic Stress Network – Ethical Principles


European Association for Body-Psychotherapy: Ethical Guidelines & Code


International Society of Mental Health Online: Suggested Principles for the Online Provision of Mental Health Services


Irish Association for Counseling & Therapy: Code of Ethics & Practice

CÓDIGOS DE ÉTICA E DEONTOLOGIA EM PORTUGAL - NG4 - DR1

EXEMPLOS:

Código Deontológico dos Psicólogos Portugueses (SNP)
(2008)

Código Deontológico da Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling
(Novembro 1998)

Código de Ética para Psicólogos - Federação Europeia de Associações de Psicólogos
(Julho 1995)

Princípios Éticos da APPORT
(Janeiro 1995)

Regulamento Ético-Deontológico - Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica
(Junho 1989)

Código Deontológico dos Psicólogos (SNP e SPP)
(Janeiro 1978

ÉTICA E DEONTOLOGIA - NG4 - DR1

Do grego “ethiké” ou do latim “ethica” (ciência relativa aos costumes), ética é o domínio da filosofia que tem por objectivo o juízo de apreciação que distingue o bem e o mal, o comportamento correcto e o incorrecto. Os princípios éticos constituem-se enquanto directrizes, pelas quais o homem rege o seu comportamento, tendo em vista uma filosofia moral dignificante. Os códigos de ética são dificilmente separáveis da deontologia profissional, pelo que não é pouco frequente os termos ética e deontologia serem utilizados indiferentemente.

O termo Deontologia surge das palavras gregas “déon, déontos” que significa dever e “lógos” que se traduz por discurso ou tratado. Sendo assim, a deontologia seria o tratado do dever ou o conjunto de deveres, princípios e normas adoptadas por um determinado grupo profissional. A deontologia é uma disciplina da ética especial adaptada ao exercício da uma profissão.

Existem inúmeros códigos de deontologia, sendo esta codificação da responsabilidade de associações ou ordens profissionais. Regra geral, os códigos deontológicos têm por base as grandes declarações universais e esforçam-se por traduzir o sentimento ético expresso nestas, adaptando-o, no entanto, às particularidades de cada país e de cada grupo profissional. Para além disso, estes códigos propõem sanções, segundo princípios e procedimentos explícitos, para os infractores do mesmo. Alguns códigos não apresentam funções normativas e vinculativas, oferecendo apenas uma função reguladora. A declaração dos princípios éticos dos psicólogos da Associação dos Psicólogos Portugueses, por exemplo, é exclusivamente um instrumento consultivo. Embora os códigos pretendam oferecer uma reserva moral ou uma garantia de conformidade com os Direitos Humanos, estes podem, por vezes, constituir um perigo de monopolização de uma determinada área ou grupo de questões, relativas a toda a sociedade, por um conjunto de profissionais.

Fonte:Psicologia.com.pt

OPINIÃO PÚBLICA E REFLEXÃO CRÍTICA - NG3 - DR4


Critério de Beleza
O conceito de beleza está intimamente relacionado com as coordenadas do tempo e do espaço, isto é, com as noções do «aqui» e do «agora», segundo a conceptualização orteguiana; assim o demonstra o facto de não ter sido entendido nem praticado da mesma forma pelas diferentes classes sociais ao longo dos tempos. Se nos séculos XVIII e XIX, a beleza feminina poder-se-ia ver cristalizada nas mulheres brancas e gordas da nobreza e da burguesia tradicionais, em contraste directo com a magreza e com a pele tisnada do sol de milhares de mulheres que trabalhavam no campo; no século XXI, paradoxalmente, este conceito ancorou-se às noções de moreno e elegância. Na raiz desta transformação sócio-cultural subjaz, por um lado, o poder económico de algumas classes sociais e, correlativamente, por outro, a tentativa de diferenciação social. Com efeito, porque é que o ideal de beleza dos séculos XVIII e XIX está subordinado à brancura da pele e a uma certa gordura, se não para demonstrar que as mulheres de uma determinada classe social não necessitavam de trabalhar no campo e tinham abundância de alimentos? E porque é que o ideal de beleza do século XX, está inexoravelmente vinculado às noções de moreno e elegância, se não porque as mulheres de determinadas classes sociais podem pagar dietas, nutricionistas, solários, cirurgias plásticas e férias paradisíacas em qualquer parte do globo?
Emanuel Santos


Critério de Felicidade«Antigamente (a felicidade) era entendida como um ideal só alcançável pelos filósofos contemplativos (Aristóteles), pelos que sobre-humanamente renunciavam a tudo (estóicos), pelos que, perante o carácter enganador do prazer, acabavam por fazer o mesmo (epicuristas), e por todos os que a reservavam para os «eleitos» e, para cúmulo, não neste mundo mas no outro (Escolástica).
Agora as coisas mudaram. A actual trivialização da palavra «feliz» («faz-me feliz, diz qualquer um após a consecução da coisa mais acessível) corresponde à democratização, à aproximação, à vulgarização das expectativas da felicidade. A felicidade parece estar aí, no voltar do ano, quando enfim, podemos adquirir o carrito, a casa própria ou o aumento do salário; a felicidade parece assim ter-se colocado já ao alcance de todas as fortunas (?) espirituais, desde que cresçam os aumentos materiais. Claro está que depressa as coisas se mostram mais complicadas porque, quando já se alcançou aquilo em que, ilusoriamente, púnhamos a felicidade, esta vai para mais longe; agora já não basta o carrito, porque faz falta um
automóvel sumptuoso, a nossa vivenda precisa de ser uma luxuosa vila e a felicidade parece não ser já uma questão só de dinheiro, mas também de status: se pudéssemos chegar a ser ministros! (Este último exemplo não é bom: qualquer um pode chegar a ser ministro, como mostra a experiência.) A agridoce verdade é que, à medida que nos aproximamos da felicidade, ela se afasta mais e mais».
J. l. Aranguren - Propuestas morales.

Estereótipos Culturais
Muitos são efectivamente os estereótipos sobre os quais assenta a nossa sociedade portuguesa e a comunidade global, em geral.
Os conceitos correlativos e quase coextensivos de «beleza» e «felicidade» são duas noções que o comum das pessoas adopta irreflectidamente do meio em que está inserido e que acabam por ter efeitos desastrosos nos diversos domínios sociais. Pois, se o conceito de beleza preside em exclusivo à selecção e contratação de profissionais, como o parece indicar o facto de nas lojas de pronto-a-vestir já não existirem senão mulheres jovens e bonitas, e se o conceito de felicidade só se realiza na ostentação de riqueza, expressa na aquisição da casa e do carro de luxo, então todos aqueles que não preencham estes pré-requisitos são imediatamente excluídos da sociedade e, o que é pior, não podem aparentemente aceder à felicidade a que congenitamente estão chamados.
Emanuel Santos

INSTITUIÇÕES E MODELOS INSTITUCIONAIS - NG3 - DR3


Qualquer sociedade está estruturada por um conjunto significativo de instituições. De entre as mais importantes poder-se-iam destacar: a GNR, a PSP, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, as escolas, os postos médicos, os bombeiros, a segurança social e as finanças, entre outras.
Cada instituição supõe um modelo de organização, que se configura a partir dos seus princípios e finalidades próprias. Este modelo varia tanto sincrónica como diacronicamente: sincronicamente na relação que uma determinada instituição mantém com outras instituições congéneres e diacronicamente ao longo da existência de uma mesma instituição.
Se sincronicamente nos são facilmente perceptíveis as diferenças que subjazem aos modelos institucionais que presidem à organização interna de uma câmara municipal relativamente à de uma corporação de bombeiros, diacronicamente essa percepção pode tornar-se um pouco mais difícil de vislumbrar.
Tomemos, a título de exemplo, a escola. Parece uma verdade incontornável que esta instituição sofreu ao longo dos tempos várias transformações no seu modelo de organização. Da escola dos nossos pais à escola dos nossos filhos surgiram mudanças tão significativas, que dificilmente passarão desapercebidas do comum da população portuguesa.
Para a percepção deste quadro evolutivo poder-se-ia considerar o 25 de Abril de 74. Se no passado vigorava uma pedagogia autoritária, alicerçada sobre a figura do professor déspota, no presente procurou-se adoptar uma pedagogia mais flexível, capaz de respeitar a figura do aluno. Se no passado o ensino favorecia a ideologia do Estado Novo, estruturada a partir das noções de estado, religião e família; agora, abandonando esse pendor, aceita o ideal das luzes como princípio norteador por excelência. E se no passado o professor era considerado como um templo de saber, agora adquire o papel de mediador, com vista a estabelecer a relação aluno-saber como eixo principal das aprendizagens.

Emanuel Santos

REFLEXIVIDADE E PENSAMENTO CRÍTICO - NG3

O iluminismo é a saída do homem da sua menoridade culpável. A menoridade é a incapacidade de se servir do próprio entendimento sem o auxílio de outrem.

Immanuel Kant, Resposta à pergunta: O que é o iluminismo

GLOBALIZAÇÃO - NG2 - DR4


A globalização, enquanto fenómeno, não é uma realidade recente. De facto, a humanidade, desde os tempos mais remotos, procurou alargar o seu mundo circundante. Foi assim que, desde África, berço da humanidade, o homem foi aumentando o seu horizonte perceptivo, povoando a terra e estendendo-se pelo continente europeu, asiático, americano e australiano. Foi, em diáspora, à procura da terra prometida, da terra mais favorável à sua satisfação na luta pela existência, que determinados povos, conquistando outros, construíram grandes impérios. O Mundo Antigo conheceu, entre outros, o egípcio, o sumério, o fenício, o grego, o persa e o romano. Este último, tendo o Mar Mediterrâneo como meio de comunicação privilegiado, com as suas galés uniram os pontos mais longínquos do seu império.
No séc. XVI, portugueses e espanhóis, compreendendo igualmente a importância do mar enquanto meio de união, lograram, com as suas empresas ultramarinas, unir os cinco continentes. E com essa união permitiram o primeiro grande momento histórico da humanidade: a transformação do mundo numa pequena «aldeia global». Eis, aqui, a importância que comummente atribuímos a personagens históricas como Vasco da Gama, Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral.
Num mundo assim globalizado pela expansão ultramarina, a revolução industrial (séc. XVIII) e a revolução tecnológica (séc. XX), permitiram acelerar aquele fenómeno com o encurtamento temporal das distâncias que medeiam os cinco continentes. Foi assim que velha caravela portuguesa deu origem ao barco a vapor e ao avião, e as cartas ao telegrama e ao e-mail.
Com os novos meios de transporte e com as novas tecnologias de informação e comunicação, os povos conseguiram estreitar cada vez mais as suas relações, de tal forma que a distância espacial é quase totalmente minimizada pelo encurtamento temporal. Tal fenómeno presente culturalmente no cinema e no teatro, socialmente na televisão, nos jornais e nas revistas, e tecnologicamente no computador e na Internet, trouxeram-nos imensas vantagens. Mas também muitas desvantagens.
Certamente que no retrocesso às sociedades fechadas das primeiras décadas do séc. XX poder-se-ia evitar muitas das desvantagens da globalização, mas essa não seria uma verdadeira solução para os problemas do terrorismo, do fundamentalismo religioso, das redes de pedofilia ou tantos outros anátemas que mancham a sociedade actual. E não seria, porque, ainda que fosse possível esse retrocesso, os problemas continuariam a existir reduzidos a uma escala nacional. Por isso, só no futuro reside a solução. E este futuro deve ser construído no compromisso de todos os agentes co-implicados, cidadãos e políticos, na defesa da paz, do respeito e da tolerância mundial.
A partir dos dois filmes que lhe propomos, bem como este breve texto, reflicta sobre a temática.

Emanuel Santos


Ao maior dos poetas portugueses, não podemos deixar de fazer um merecido tributo. Pois, nos seus "Lusíadas", ao narrar a vida do povo lusitano, fê-lo pioneiro da época moderna, das relações sócio-económicas e político-culturais elevadas à escala mundial, da época da globalização. Eis como dá início à obra mencionada:

As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

Lusíadas, Canto I, Estrofe I,
Luís Vaz de Camões

ASSOCIATIVISMO E MOVIMENTOS COLECTIVOS - NG2 - DR3



"Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas."
Declaração Universal dos Direitos humanos, Art. 20°, Nº1

"Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal."
Constituição da República Portuguesa, Art. 46.º, Nº1

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no Art. 20º, estabelece o associativismo - enquanto livre reunião de pessoas - como um direito universalmente incontestável e extensível a qualquer ser humano, independentemente da religião, da raça ou da cultura em que esteja inserido.

Em Portugal, este direito adquiriu o seu sentido e realização plena a partir do 25 de Abril de 1974. A partir desse momento, cada um, na sua localidade - cidade, vila ou aldeia - , no seu acto pleno de cidadania, pode ter acesso a um conjunto de associações às quais se pode livremente associar. Dentro das mais comuns, destacam as associações de caça, pesca, dança, folclore, desporto, assim como os grupos recreativos e culturais, etc.

O tema em análise, ao estar inserido no núcleo gerador Complexidade e Mudança, implica que este se perspective diacronicamente. Pois, ao estar a realidade física e social vinculada ao princípio da mutabilidade, em permanente fluir como diria Heráclito de Éfeso, e pressupondo esta mutabilidade um maior grau de complexidade; a realidade associativa, subordinada ao mesmo princípio, exige uma reformulação constante para poder vencer os novos desafios que continuamente se avizinham.

Emanuel Santos

PROCESSOS DE INOVAÇÃO - NG2 - DR2


Nos alvores da história, a civilização deve-se à escravização de um homem por outro. Isto é duro, mas temos de referi-lo. Um selvagem não se coloca a trabalhar, porque a satisfação que busca não lhe compensa o esforço, tem poucas necessidades. Mas veio outro mais forte, ou mais bruto, que escravizou-o e colocou-o trabalhar para os dois. Ao tirano, como não tinha mais que fazer senão vigiar o escravo, ocorreu-lhe um conjunto de coisas que não poderiam ocorrer a quem tem de trabalhar. Hoje, o impulso da civilização é do de baixo que premeia o de cima. Os romanos conheciam os moinhos de água, mas não os utilizavam porque era mais barato ter um escravo que movesse a roda. Quando o escravo encareceu implantaram o moinho. À medida que o de baixo diz: “quero mais”, o de cima tem de defender-se, inventando algo novo. E assim foi prosperando a indústria, graças às exigências dos trabalhadores.
Miguel de Unamuno, Conferência no circuito literário de Almería, 30 de Agosto de 1903


A correcta determinação dos factores que estruturam e configuram a realidade histórica tem constituído um eterno problema, cuja solução tem oscilado segundo a orientação intelectual dos pensadores que procuram resolvê-la.
As posições tanto antitéticas como contraditórias de marxistas e hegelianos constituem uma prova clara do que acabamos de referir. Pois, se os partidários de Karl Marx, vinculados ao materialismo histórico, vislumbram nas relações económico-sociais - no capital, portanto - a origem da história; diferentemente, os partidários de Hegel, animados por uma concepção idealista, apontam para as ideias como origem do todo o progresso.
A inteligibilidade das referidas concepções fazer-se-ia imediatamente perceptível se se analisa, com algum rigor, a origem da expansão ultramarina.
O que é que levou portugueses e espanhóis a lançarem-se na época dos descobrimentos? Uma concepção materialista, na esteira de Marx, apontaria para os fracos recursos económicos do país, presentes num clima e geografia desfavoráveis. Uma concepção idealista, na linha de Hegel, desvinculada das necessidades materiais, apontaria para o alargamento da res publica christiana, isto é, para a expansão do império e da fé cristã.
Unamuno, leitor e intérprete dos grandes clássicos da história universal, apresenta de forma conjunta e integrada ambas as concepções como origem do progresso histórico. Se, num primeiro momento, desde uma perspectiva sincrónica, sugere que o idealismo histórico, expresso na sujeição do deserdado ao senhor, foi o motor da história; num segundo momento, apoiado numa perspectiva diacrónica, apresenta o materialismo histórico, presente no encarecimento da mão-de-obra, como origem da mesma.
Se se analisa a referida temática dentro do contexto profissional, a génese da evolução dos processos de produção colocar-se-nos-ia imediatamente como um problema a resolver. Qual é o princípio que determina os processos de inovação? Porque é que as empresas se actualizam, quer quanto à qualificação da sua mão-de-obra, quer quanto aos seus suportes técnicos de cariz informático e/ou mecânico? Na linha das análises precedentes poderíamos afirmar, por um lado, que o encarecimento da mão-de-obra exige que as empresas invistam cada vez mais na aquisição de recursos técnicos capazes de as tornarem competitivas dentro dos mercados nacionais e internacionais (materialismo histórico); e que, por outro, as novas concepções de trabalho - onde adquirem especial relevo as formações profissionais - permitem que as empresas tenham trabalhadores cada vez mais qualificados e por isso capazes de rentabilizar as suas linhas de produção (idealismo histórico).
Neste sentido, podemos afirmar que são tão importantes políticas públicas que proporcionem especializações laborais, capazes de atrair empresas internacionais para o país, como a defesa dos direitos laborais que, obrigando à vanguarda e a uma inovação constante, impedem que as empresas deixem de ser competitivas.
Evidentemente que, em Portugal, dentro do actual quadro económico, a defesa dos direitos dos trabalhadores não pode ter os efeitos desejados, dado que as empresas com os seus recursos técnicos actuais - muitos deles adquiridos em segunda mão e outros com mais de 20 e 30 anos de existência - acabariam por entrar em falência. Como remediar, então, este estado de coisas? Desde o nosso ponto de vista, vários são os factores que devem ser tidos em consideração no relançamento da economia portuguesa. Num primeiro momento, desde uma perspectiva institucional, o Estado deveria co-financiar as empresas, quer na melhoria dos seus equipamentos, quer na requalificação profissional, legislando correlativamente na defesa dos direitos dos trabalhadores. E num segundo momento, todos os cidadãos deveriam ter a preocupação de evitar comprar produtos oriundos de países que não respeitam os direitos humanos. Com esta tomada de posição, acabaríamos por dizer sim à humanização do trabalho e ao respeito pela individualidade e personalidade de todos os trabalhadores e, de forma correlativa, impediríamos que as empresas multinacionais se deslocassem para os referidos países em busca de mão-de-obra barata, deixando sem emprego tantos concidadãos portugueses e europeus. Enquanto não forem respeitados por todos os países os direitos humanos e laborais, o mercado livre, expressão máxima do capitalismo moderno, terá sempre resultados funestos para os trabalhadores quer dos países industrializados quer dos países subdesenvolvidos.

Emanuel Santos

APRENDIZAGENS AO LONGO DA VIDA - NG2 - DR1


Estabeleceu, portanto, o óptimo artífice que, àquele a quem nada de especificamente próprio podia conceder, fosse comum tudo o que tinha sido dado parcelarmente aos outros. Assim, tomou o homem como obra de natureza indefinida e, colocando-o no meio do mundo, falou-lhe deste modo: "Oh Adão, não te demos nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares, tudo segundo o teu parecer e a tua decisão. A natureza bem definida dos outros seres é refreada por leis por nós prescritas. Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no meio do mundo para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo. Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo".

Giovanni Pico della Mirandola, Discurso sobre a dignidade do Homem

Sendo o homem um ser-inacabado, a sua pulsão originária consiste em constituir-se a si mesmo na relação que estabelece com o contexto sociocultural, em que singularmente se insere. A sua incompletude, longe de estabelecer-se como uma fraqueza ontológica, constitui, pelo contrário, o primeiro momento para a sua auto-constituição, enquanto ser-aberto ao mundo.
A referida abertura, ao dar-lhe acesso ao seu contexto existencial, permite-lhe realizar um conjunto de aprendizagens fundamentais que o vão constituindo enquanto ser. Deste modo, as experiências realizadas são particularmente decisivas para a formação da sua personalidade conforme o demonstram às diferenças cognitivas que medeiam entre as crianças oriundas de estratos sociais mais desfavorecidos relativamente ao padrão normal.
Contudo, ainda que os contextos sejam primordiais na constituição da natureza humana, não são totalmente decisivos, já que o homem, sendo um ser-projectivo, consegue relativizar o seu condicionamento às coordenadas do espaço e do tempo, fazendo escolhas existenciais que o permitem auto-determinar-se naquilo que quer ser.
Se se analisa esta temática a partir de uma perspectiva sociológica, o conceito de socialização adquire um papel fundamental na determinação dos hábitos comportamentais de cada ser humano. Pois, ao definir-se como o processo de interiorização dos modos de ser da comunidade onde está enraizado, evoca as três linhas fundamentais da antropologia contemporânea que já referimos e que definem o homem enquanto ser inacabado, projectivo e aberto ao mundo.
Dentro desta área existem dois momentos fundamentais de aprendizagem: a socialização primária e secundária.
A socialização primária, decorre na infância e na adolescência, e consiste na aprendizagem de todos os conteúdos necessários para a vida em sociedade. A família e a escola, enquanto locais privilegiados, permitem que as crianças interiorizem as regras de cortesia, os hábitos de higiene e alimentação, a linguagem e todos os modos de ser essenciais para a vida em sociedade.
E a socialização secundária, decorrendo nos estádios posteriores, consiste na aprendizagem de novos hábitos culturais para a adaptação a novas condições de vida como a entrada no mundo do trabalho, a mudança de estado civil, o desemprego e a reforma, etc.

Emanuel Santos